Algumas histórias dos géneros especulativos têm uma característica muito curiosa. Já falei aqui dela, aliás, ainda que talvez não de uma forma muito clara. São histórias em que o leitor vai lendo e lendo e lendo sem encontrar nada que possa integrá-las no horror, no fantástico, na ficção científica, por aí fora, até que de repente, geralmente no final ou perto dele, pumba!, lá está o pormenor que faz toda a diferença. Esta característica é curiosa, em parte, porque transforma estas histórias nos veículos ideais para apresentar àquelas pessoas para as quais a literatura que não se baseie no mais completo realismo é imediatamente motivo para narizes torcidos e todos os tipos de preconceitos. E em parte, também, porque construir bem uma narrativa desta forma exige habilidade e técnica.
O Lago, claro, é uma dessas histórias. Neste conto breve, Ray Bradbury mostra, basicamente, como se faz, criando uma história literariamente forte, escrita numa prosa poética que nunca chega a cansar, o que não posso dizer da maioria das histórias assim escritas que tenho lido, sobre um miúdo que perde uma amiga num lago onde ambos passam férias. Um dia, ela mergulha e não volta à superfície. E ele ali fica, choroso e solitário, até ao fim das férias. Mas estas acabam, a vida continua, e ele volta para casa. E cresce, e torna-se adulto, e casa. E um dia volta ao lago, com a mulher. E até aqui nada faz pensar em algo que não seja o mais puro mainstream. Mas depois...
... Depois, o passado torna-se algo mais que recordação e velha dor, como que se renovando. E surge finalmente algo de sobrenatural na história a retirá-la do mais puro realismo mainstream que aparentava até aí. O resultado é muitíssimo bom.
Uma história ideal para dar a ler a preconceituosos.
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