E aqui temos um clássico. Não só um clássico, aliás, mas o primeiro conto desta pequena antologia que tem realmente todos os elementos de um conto de horror: uma história perturbadora, fantasmagórica, sobre uma personagem que talvez seja louca, talvez seja apenas (com muitas aspas) vítima do sobrenatural.
Mas o que transforma esta história de Charlotte Perkins Gilman num clássico nem é isso. Sim, O Papel de Parede Amarelo (bibliowiki) é uma história de terror bastante boa mas o que a eleva acima da maioria das outras não é nem o papel de parede, nem a protagonista, nem a forma como esta se deixa fascinar por aquele, imaginando-o (e será imaginação?) animado de vida própria, servindo de uma espécie de escape para qualquer coisa que nele vive e que a páginas tantas dele sai, transferindo a sua essência para o mundo cá fora. Para ela. Não. O que eleva esta história mais alto é o seu subtexto.
O subtexto é de luta, de denúncia. Este conto, com a autêntica clausura que a mulher sofre às mãos do marido, médico, porque está "nervosa" e tem de repousar para ficar de novo boa, é usado por Gilman para mostrar a menorização das mulheres na sociedade do seu tempo, a escassa atenção que aquela prestava às suas opiniões e problemas, e as consequências devastadoras que isso pode ter. Tudo o que a protagonista da história faz, fá-lo às escondidas do marido e este é para ela uma presença constantemente ameaçadora, apesar de armada das melhores intenções, pelo menos segundo a sua própria opinião. A fantasmagoria, o mergulho no papel de parede amarelo, é assim uma espécie de escape de uma prisão psicológica que a sufoca.
Este é das tais histórias de género que, longe do escapismo que tantas vezes se lhes quer colar, usam as convenções do género para fazer análises bastante profundas de questões sociais, psicológicas ou ambas. Geralmente são essas as melhores histórias de género, e é o caso aqui. Este conto é muito bom. Só é pena não ser condignamente servido pela edição.
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