domingo, 20 de outubro de 2019

Ray Bradbury: O Próximo da Fila

O México, sobretudo através da tradição do día de los muertos, é também algo recorrente nas ficções de Ray Bradbury. Não é difícil compreender porquê: há nessa tradição muito do mesmo macabro festivo que a celebração americana do Halloween tem, e esta festa, conjugada com todo o imaginário outonal que lhe está associado, é um dos temas que Bradbury revisita de forma mais obsessiva. De resto, o facto das duas festas coincidirem no tempo só sublinha mais a coincidência e torna mais naturais as visitas do autor americano à tradição mexicana.

O Próximo da Fila, claro, é uma dessas histórias. É uma noveleta de horror psicológico ao jeito de Bradbury, ambientado numa cidadezinha no México e protagonizado por um casal de turistas americanos que dificilmente podiam encarar a experiência de forma mais díspar. Ele, descontraído, indiferente aos problemas que os assolam (incluindo uma misteriosa e demorada avaria no carro que os retém na cidade), decidido a tirar o melhor partido das férias naquele local. Ela, tensa, cada vez mais mergulhada em terríveis pressentimentos a respeito da cidade e ansiosa por se ir embora, seja de que maneira for.

Bradbury nunca deixa grande lugar a dúvidas quanto ao desfecho que a história irá acabar por ter; o foreshadowing é intenso, as sugestões de algo de sobrenatural em ação são múltiplas, ainda que tanto uma coisa como a outra surjam exclusivamente por intermédio do que a mulher faz, diz e sente. Mas mesmo assim, quando ele acontece, surge trazendo a reboque uma certa surpresa. É possível que isso seja em parte explicado pela extensão desta história, invulgarmente longa para o autor americano, cuja obra, embora naturalmente inclua textos mais extensos, se centra entre o conto e o conto curto. Enquanto fui lendo, pensei várias vezes que o final não poderia ser tão óbvio, que não se justificaria que o fosse com tanta história para trás. E no fim é mesmo.

Em parte em resultado disso, esta história não é das melhores de Bradbury. Quando o leitor começa a pensar que o que está a ler já se está a prolongar demasiado é mau sinal, e isso acontece aqui. Se fosse mais curta, se fosse um conto, julgo que esta noveleta funcionaria melhor, mesmo que fosse necessário abreviar alguns episódios. Assim, torna-se aborrecida. É Bradbury, pelo que tem as qualidades habituais do autor, mas é um Bradbury de terceira ou quarta linha.

Conto anterior deste livro:

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