Uma das melhores maneiras de contar histórias simples de uma forma interessante é contá-las de um modo invulgar, ainda que nem sempre contar uma história de um modo invulgar resulte numa história bem contada. É também necessário que o modo se adeque à história, e isso exige um equilíbrio e uma reflexão que nem sempre são alcançados. Mas posso dizer desde já que Paulo Marques Vasco as alcançou neste seu conto. É um bom conto.
Ajuda que a história só enganadoramente seja simples. Janelas Para Lugar Nenhum é a história de uma mulher com um marido profundamente doente de Alzheimer, e de como as circunstâncias da vida dela conspiraram para a levar a essa situação. Contada num misto de narração em terceira pessoa e depoimentos das personagens mais importantes (a própria mulher, a mãe dela e uma amiga de juventude chamada Inês), vai levando o leitor a vários momentos da história de vida da mulher através do olhar dessas três personagens, com um uso extenso da memória.
A principal qualidade deste conto tem a ver com esse uso da memória, pois Paulo Marques Vasco consegue dosear muito bem a informação que fornece, por forma manter bem acesa a curiosidade do leitor pelo que vem aí, num número de equilibrismo entre a informação fornecida e a retida que está no ponto precisamente certo. Há sugestões e indícios na página tal, mais à frente revelam-se corretos, ou não, enquanto outros indícios e sugestões ocupam o seu lugar, até que no final tudo é revelado e amarrado com uma última carta deixada pela protagonista. Sem este desvendar progressivo, o conto dificilmente resultaria. Com ele, resulta em pleno.
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