Quando se pensa em planetas vivos na ficção científica é impossível escapar-se à imagem de Solaris, de Stanislaw Lem, pois esse deverá ser o mais bem desenvolvido, complexo e enigmático exemplo que a FC nos legou. Mas não é o único, longe disso, e houve vários outros autores que desenvolveram essa mesma ideia de diversas formas. Um desses autores foi Ray Bradbury.
O planeta vivo que Bradbury nos apresenta em Aqui Haverá Tigres (bibliografia) é, sob muitos aspetos, quase o oposto do de Solaris. Onde este é inacessível, um labirinto de mistério, o de Bradbury é acolhedor, respondendo de imediato a todos os desejos, conscientes ou inconscientes, dos tripulantes da nave exploratória que nele pousa. Mas existe uma ligação clara entre este conto e o romance do polaco: ambos os planetas vivos são usados para reflexões muito pertinentes sobre a natureza humana.
Bradbury usa para isso um tripulante que, ao deparar com o desconhecido, sente medo, ao contrário dos camaradas, que se lhe entregam com plena confiança. Um tripulante que não dispensa as armas, para se defender (e aos outros) da miríade de perigos que imagina, e que é também usado por Bradbury para mais uma das suas críticas à ciência: o homem é um cientista, adepto de uma forma intrusiva, ou mesmo agressiva, de investigação e amostragem. E isso vai ter para ele as suas consequências. Graves.
A ideia é clara e recorrente nas histórias de Bradbury (está muito presente, por exemplo, nos seus contos marcianos): devemos mostrar respeito pelos lugares que nos são alheios e pelas pessoas ou coisas que neles habitam e procurar não perturbar os equilíbrios que lhes são próprios, caso contrário haverá consequências de que provavelmente não iremos gostar. É uma ideia que em Bradbury tende a assumir contornos anticientíficos mas que na verdade não o é; Bradbury limita-se a mostrar uma consciência ecológica precoce, numa época em que a maior parte da ciência ainda não a tinha. Este conto é de 1951, bem mais antigo do que outras obras de FC que mostram o mesmo tipo de preocupações como Duna, de Herbert, ou Floresta é o Nome do Mundo, de Le Guin, escritos já em épocas em que a consciência ecológica começava não só a penetrar na linguagem da ciência mas a ser ativamente promovida por ela. É, portanto, possível que, se Bradbury tivesse escrito este conto mais tarde, tivesse afastado dele pelo menos parte do anticientificismo. Não me parece provável, francamente, mas possível é.
De resto, trata-se de mais um bom conto, tão bem escrito como seria de esperar do autor nesta fase da carreira. Não pertence ao grupo das obras-primas, nem ao das que o são quase, mas é bom.
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