domingo, 21 de janeiro de 2018

Lido: Homens sob Medida

Como sabes, Bob, há contos bons, contos maus, contos assim-assim e contos de todos os graus de cinzento entre estas classificações. La Palice não o diria melhor mas, como sabes, Bob, ou se calhar esta não sabes, há lapalissadas simples e lapalissadas que só o são no contexto ficcional em que as histórias se inserem.

Quero eu dizer com isto que o fenómeno, tão prevalente na má ficção científica, conhecido em inglês como "as you know, Bob" (nome que acabei de aportuguesar; podem usar à vontade), é uma forma especial de lapalissada. A lapalissada simples é uma coisa tão óbvia para todos que a sua verbalização se torna estúpida; a lapalissada especial constituída pelo "como-sabes-Bob" é uma coisa tão óbvia para todas as personagens de uma dada história que a sua verbalização se torna estúpida no contexto da história, mas que não obstante acontece porque o escritor só dessa forma consegue transmitir ao leitor a informação que acha necessário transmitir.

Como há maneiras muito melhores de transmitir informação, o "como-sabes-Bob" é um dos principais pecados cometidos pelos maus escritores de FC, mas raramente surge sozinho. E este Homens sob Medida, de Nelson Palma Travassos, é um excelente exemplo disso mesmo, porque não só é "como-sabes-Bob" do princípio ao fim, um diálogo puro entre duas personagens que explicam uma à outra conceitos que ambas conhecem como, quando saem disso (e não só), entra-se no domínio do tecnopaleio disparatado, outro pecado dos maus escritores de FC (bem, os maus aplicam-no mal, de forma demasiado evidente; os bons também o cometem, mas mal se nota) que consiste na utilização de jargão de aparência científica para apresentar conceitos cientificamente absurdos e/ou revestir conceitos básicos que qualquer criancinha conhece com uma capa de futurismo.

Homens sob Medida podia ser um conto interessante: lida com conceitos relevantes e problemáticos, hoje mais do que nunca, e até tem algumas ideias válidas, apesar da idade que já tem em cima. O seu fulcro reside na forma como o progresso tecnológico poderá um dia vir a alterar o próprio Homem e as consequências sociais que isso teria. É tema que dá pano para muitas mangas e, quando bem explorado, pode resultar em obras de primeira água. Mas Travassos explora-o pessimamente e o resultado é pouco melhor que um desastre.

Oportunidades perdidas. São uma praga.

Contos anteriores deste livro:

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