segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Lido: A Escolha de Hobson

Na ficção científica portuguesa existem alguns casos muitíssimo curiosos que geralmente passam debaixo do radar dos fãs do género, pelo menos até que alguém dá com eles e lança o alerta. E este livrinho é um excelente exemplo disso mesmo.

Trata-se de uma novela de ficção científica (ou talvez até noveleta), que saiu em 1995 de uma forma discretíssima, imagino que para uso escolar e pouco mais, apesar de apoiada pela Gulbenkian e pelo Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, o que também deve ser caso único na nossa FC. E não me surpreenderia nada se fosse caso único por tão dignas instituições terem ficado horrorizadas com o resultado. Ou talvez não; afinal, a publicação inseriu-se num tal Projeto Entre Mar e Estrelas, atividade pedagógica com duas fases que consistia primeiro em recolha de informação sobre astronomia e oceanografia e, depois, na elaboração de histórias sugeridas pela fase anterior, em colaboração com vários escritores.

E se sim não será por esse resultado ser mau, entenda-se. É que há envolvido na coisa um nome que deverá levar à cabal compreensão dos motivos, pelo menos por quem lhe conhece a prosa e os temas: João Barreiros.

Mas desfaçamos o mistério: o que é isto, afinal? É uma novela de FC, como já se disse, concebida e escrita em conjunto por Barreiros e por um grupo de sete alunos da Escola Secundária do Monte da Caparica: Ana Ferreira, Ana Margarida Gil, Ângelo Claro, Carina Figueiras, Filipa Jales, Hugo Oliveira e Marta Ribeiro. E nota-se. O tema, boa parte da prosa, o jargão futurista, as ineficiências mecânicas e as situações que elas criam, as ironias e pequenas subversões deste A Escolha de Hobson (termo que significa basicamente "ilusão de escolha"), são Barreiros típico. Mas tudo é atenuado em relação ao que se costuma encontrar no autor, num tom explicitamente juvenil, e há detalhes que fogem à "voz autoral" típica de Barreiros, mostrando portanto, supõe-se, as dos jovens coautores. Inclusivamente com alguns erros; coisas como alguém acordar "meia estremunhada," por exemplo.

A história que é contada é a de uma nave interestelar que regressa ao Sistema Solar quatro mil anos depois de ter partido, graças à dilatação do tempo típica das velocidades relativísticas, encontrando-o totalmente modificado. Planetas inteiros em falta, uma Lua que serve de painel publicitário, por aí fora. E a Terra... bem...

De baleias drogadas a lulas-polícia, passando por intermináveis e incompreensíveis trâmites burocrático-alfandegários que levam à apreensão da nave à conta da violação de não sei quantos regulamentos e por uma série de paisagens imensamente alteradas, o mínimo que se pode dizer é que a Terra tem muito pouco a ver com o planeta que esperavam encontrar. E isto é o principal motor do resto da história, passada pelo grupo a tentar perceber o que raio se terá passado e como sair da situação em que se encontra. No fim, claro, enfrentam a escolha de Hobson do título.

O resultado não é muito bom enquanto FC, mas não deixa de ser uma ficção juvenil divertida e com algum interesse. Um interesse provocado não só pela história em si como também (ou sobretudo) pelo modo como surgiu. E deixa ficar uma intensa curiosidade sobre os outros resultados deste projeto. Sim, que isto não é único; uma busca na BN informou-me de que o Entre Mar e Estrelas levou à publicação de mais três livros: Fogo de Santelmo, coordenado por João Aguiar e A Clepsidra de Cronos e A Era do Aquário, ambos coordenados por Daniel Tércio. Ora, se é possível que o livro de João Aguiar nada tenha a ver com literatura fantástica (embora também possa ter; o autor não é inocente de mergulhar o pé no género), parece-me muito improvável que o mesmo se possa dizer dos de Tércio.

É que o Bibliowiki está mesmo aqui ao lado, a dar ao rabo e a farejar paparoca, sabem?

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