Transfert, conto curto de Antônio d'Elía, tinha tudo para me desagradar. É o que geralmente acontece com contos que usam a linguagem da ficção científica sobretudo para poetar, prestando mais atenção à forma como as palavras rebolam na boca do que ao seu significado e correndo assim sérios riscos de resultar em disparates. E é também o que geralmente acontece com histórias de amor interespécies, que quase nunca se preocupam minimamente com os imperativos biológicos de cada uma ou, o que é pior, que tratam as espécies alienígenas como meras variantes ligeiras do muito terrestre Homo sapiens. Transfer tinha, pois, tudo para me desagradar, porque é tudo isto. É a história de um terrestre, poeta, que se apaixona por uma alienígena e tenta convencê-la, a princípio sem grande sucesso, a concretizarem esse amor.
Mas a verdade é que não me desagradou por aí além. Porque o conto está realmente bem escrito, com lirismo mas sem exageros; porque apesar de haver alguns disparates terminológicos estes são bem mais reduzidos do que é hábito em histórias destas; porque a questão da concretização do amor interespecífico é bem resolvida, de uma forma que não agride a noção de ficção científica, através do tal transfert do título; e porque o final dantesco (em sentido próprio, e entendam isto como quiserem) acaba por fazer reavaliar tudo o que ficou para trás de uma forma que também me pareceu bem conseguida.
Ou seja, não sendo um grande conto, pareceu-me um conto muito razoável, a atirar para o bom. Por improvável que isso seja num conto deste tipo.
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