Parte das minhas leituras, que raramente ou nunca registo ou comento em lado nenhum por achar que me falta capacidade técnica para tal, compõe-se de artigos e teses sobre temas variados que me despertam a curiosidade. Astronomia, planetologia, biologia, literatura, linguística, por aí fora. Normalmente são coisas que encontro enquanto procuro outras coisas na internet (é frequente fazer buscas tanto para obter informação necessária às minhas traduções, quanto para coisas extra-trabalho, como o Bibliowiki ou a minha ficção — essa raridade), me fazem arrebitar as orelhas e guardo para ler mais tarde, e tenho-me farto de aprender coisas assim, mesmo que a maior parte da informação tenha uma certa tendência a passar-me bem alto por cima da cabeça, em especial quando o tema é mais esotérico (a linguística e as várias variantes da astronomia, em especial, são especialistas em fazer-me sentir ignorante).
Mas cheguei há pouco tempo à conclusão de que não preciso de grande capacidade técnica para fazer apreciações superficiais sobre algumas dessas coisas. Não é necessário ter grande capacidade técnica para apresentar a tese x e dizer que ela se debruça sobre a coisa y e me interessou pelos motivos a, b ou c. E não só não é necessário ter grande capacidade técnica para fazer isso, como é inteiramente possível que esse tipo de opinião seja útil a alguém com interesses semelhantes. Talvez seja demasiado estar a fazer isso com artigos, salvo algumas exceções particularmente relevantes ou interessantes, mas coisas maiores? Porque não?
Entram na conversa O(s) Fantasma(s) de Fernando Pessoa em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Trata-se de uma tese de mestrado em literatura portuguesa, defendida por Barbara Juršič (ou Barbara Juršič Terseglav), cujo nome aponta para paragens não lusófonas. E aponta bem: é eslovena.
Fala o livro (pois trata-se de um livro, ainda que não muito grosso com as suas 121 páginas), como é hábito neste tipo de trabalhos, cujos títulos são quase sempre descritivos de forma bastante objetiva, dos vários fantasmas e das várias facetas de fantasmagoria que se podem encontrar no romance de Saramago O Ano da Morte de Ricardo Reis. Achei algum interesse nessa discussão, ainda que a minha leitura desse livro esteja demasiado longínqua no tempo (li-o vai para três décadas) para poder realmente aferir se concordo ou discordo do que a autora defende, mas aquilo que mais me interessou nesta leitura não foi isso: foi a discussão (sobretudo prévia) sobre o que é o fantástico literário e de que forma este livro em concreto se enquadra nele. Há aí bastante informação geral e uma perspetiva que achei útil.
Outra coisa que achei bastante curiosa, embora não propriamente informativa, foi o tom do texto. OK, é um texto académico. É um texto, portanto, que se esforça por ser objetivo e distanciado, apresentando as ideias e as conclusões que advêm dessas ideias de uma forma tão rigorosa e alicerçada quanto possível. E no entanto, é um texto carregadinho de amor.
Amor pela literatura, sem dúvida, pela palavra até, mas sobretudo amor pelo livro estudado e provavelmente também pelo autor José Saramago. Algures na trajetória de vida da eslovena Barbara Juršič, ela ter-se-á apaixonado pela prosa de Saramago, ou por aquela prosa de Saramago. É possível que tenha sido isso o que a levou a aprender português e depois a vir fazer um mestrado a Portugal, mas é certo que ela ama o livro que estudou. Transparece nas entrelinhas do texto um carinho que me parece inconfundível. E isso fez-me sorrir.
E isso fez-me compreender que retirei desta leitura mais do que esperava à partida. Às vezes acontece.
Se alguém se interessar, ela está disponível aqui.
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