sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Lido: A Corte do Ar

Há livros que têm tudo para dar certo. Um cenário imaginativo, personagens com potencial, uma história igualmente cheia de potencialidades, por aí fora. Basta arranjar um bom fio condutor, juntar as peças num todo coerente, descobrir a dimensão certa para esse todo melhor fazer sentido (conto? romance? série?) e escrever. Escrever bem.

Há livros que têm tudo para dar certo e dão. Outros, talvez em maior número, têm tudo para dar certo e apesar disso não dão. Há qualquer coisa que falha, por vezes várias qualquer-coisas, e o resultado fica aquém, por vezes muito aquém, das potencialidades que teria à partida. E quando isso acontece, o sabor a potencial desperdíçado que fica ao terminar a leitura é francamente desagradável.

A Corte do Ar (bibliografia) tinha tudo para dar certo. Uma sociedade complexa onde coexistem, com pessoas aparentemente iguais a qualquer de nós, criaturas diversificadas, incluindo uma espécie de caranguejos inteligentes e grandes robôs movidos aparentemente a vapor; vários países, cada um com a sua própria organização política e social, umas mais absurdas que outras, umas mais semelhantes que outras a caricaturas de sistemas políticos vindos direitinhos do mundo real, e dentro deles fações diversas; uma tensão subjacente que vai cresscendo à medida que os interesses e propósitos de um verdadeiro exército de personagens vão chocando, e por aí fora. Em suma, uma ambientação rica e imaginativa.

Este livro de Stephen Hunt tinha tudo para dar certo. A verdade, porém, é que não dá.

Porquê? Por vários motivos, mas sobretudo por questões relacionadas com o enredo e com a escrita propriamente dita.

O enredo tem vários problemas. O principal, a meu ver, é contrastar sobremaneira com o caráter imaginativo da ambientação. Por um lado é, na sua essência, demasiado simples: dois jovens que não se conhecem são perseguidos ao longo de meio mundo por serem especiais, o que vai sendo deixado claro aos poucos. Apesar das peripécias, a história é absolutamente previsível, pois é claro desde o início que os dois vão acabar por se encontrar e vão ser fulcrais para um enfrentamento final mais ou menos apocalíptico. E as peripécias são demasiadas vezes desleixadas, pois Hunt usa e abusa do famigerado deus ex-machina sempre que se mete nalgum assado de que não sabe bem como sair. A impressão geral que fica é de um enredo construído um pouco em cima do joelho, deficientemente pensado e pior planeado.

A escrita tem problemas que a meu ver são piores. Nos diálogos, sobretudo, Hunt usa um tom de tal forma artificial que chega a tornar o texto quase insuportável. As personagens não conversam: discursam. Não dizem coisas: soltam diatribes. É possível que em parte isso seja uma tentativa de tornar o texto mais próximo de um certo tom vitoriano em voga entre uma parte dos escritores que se dedicam ao steampunk, mas a verdade é que não resulta (e a tradução não ajuda): o resultado, longe de ser evocativo, é extraordinariamente maçador o que, num livro com mais de 500 páginas, é fatal.

Tudo somado, este foi um livro custoso de se ler. Como sou teimoso e não gosto de deixar livros a meio (é preciso serem mesmo muito maus) cheguei até ao fim, mas foram várias as ocasiões em que pensei que se calhar me estava a apetecer ler qualquer coisa e, quando olhava para ele, ou desistia ou me punha a ler contos em outros livros. Não o posso considerar mau porque a ambientação é rica o suficiente para lhe dar um certo encanto, mas sem dúvida digo que o achei francamente aborrecido e em parte por isso demorei longos meses a acabá-lo (e também me atrasou outras leituras; foram mais as vezes que perdi as ideias de ler do que aquelas em que me lancei aos contos). A palavra mais correta para o descrever é, suponho, insatisfatório.

Este livro foi comprado.

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