Embora muitos dos contos tradicionais europeus tenham origens que antecedem em muito o cristianismo, não é raro que tenham incorporado ao longo dos séculos de convivência com a religião dominante elementos da mitologia cristã. De resto, a própria Bíblia incorpora numerosas histórias que a antecedem, por vezes em muitos séculos.
Além disso, a própria recolha e reelaboração feita pelos Irmãos Grimm parece-me ter acentuado tais elementos, pelo menos em algumas histórias. É o que me sugere a comparação que tenho vindo a fazer entre estes seus contos e os que foram recolhidos em Portugal por Adolfo Coelho, autor que alterou muito menos do que os irmãos alemães o material de base.
O Alfaiate no Céu parece ser um caso diferente: um conto desde o início baseado na mitologia cristã, sem elementos exteriores a ela. Pode não o ser, note-se: pode tratar-se de história mais antiga mas tão alterada que os elementos originais se tornam impercetíveis, pelo menos para o leitor não especialista. E também é possível que as alterações feitas pelos Grimm (o conto foi feito por eles a partir de um conto tradicional) tenham contribuído para o despir dos elementos pré-cristãos que pudessem ter havido.
Seja como for, trata-se de um conto moral como é da praxe, ingénuo, sobre um alfaiate que chega ao Céu cristão num dia em que este está praticamente deserto porque o divino manda-chuva resolveu ir dar um passeio. Só São Pedro terá ficado à porta, o que não é grande ideia porque ao que parece São Pedro não é grande inteligência e deixa-se endrominar por um simples alfaiate, apesar de saber que este não é propriamente a pessoa mais honesta que já caminhou pela face da terra. O certo é que o alfaiate consegue entrar e deambular por aí e fazer um disparate. Disparate esse que acaba por ser descoberto, o que torna óbvia a moral da história: Deus tudo vê e não há escapatória à justiça divina.
Sem grandes subtilezas e com menos surpresas ainda, não posso dizer que este conto seja realmente interessante como literatura. O interesse que tem, pelo menos para mim, é sobretudo sociológico.
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