Uma das características mais curiosas dos contos de Italo Calvino para alguém que, como eu, gosta bastante de ficção científica, é o diálogo que neles se estabelece com relativa frequência com o género. Não com o género como um todo, talvez, ou geralmente, mas com o género tal como era antes de ser género; com a proto-ficção científica.
Exemplos abundam, das Cosmicómicas a vários contos das Cidades Invisíveis, e é por isso sem grande surpresa que se encontram também neste livro. Por exemplo na História da Floresta que se Vinga, por estranho que isso possa parecer a quem olha para este título, que parece ter tudo a ver com fantasia e nada com ficção científica.
E é aqui que entra a espécie de ligação ao género que mais agrada a Calvino. O conto começa como um conto fantástico muito próximo das histórias tradicionais, com uma mulher criada numa floresta que um belo dia salva um príncipe vítima de salteadores, fá-lo perder-se de amores por ela (ou talvez só de desejo), engravida e fica à espera quando ele diz que precisa de ser desobrigado pelo Papa para poder casar com ela e se vai embora, alegadamente em busca dessa autorização. Mas o tempo passa e nada. Até que ela sai, à procura dele, e depara com o mundo fora da floresta vazio de homens e entregue à maquinaria, que já sabe passar sem os seus criadores e por isso corre com eles, numa cena apocalíptica típica da FC distópica.
E no fim, o conto volta a afastar-se da FC, mostrando um Dia do Juízo muito alicerçado na mitologia. Tudo, aparentemente, porque a floresta se vinga por a rapariga lá criada, logo parte dela, ter sido abandonada. Fica por explicar como é que a rapariga acaba ali reunida com os restantes convivas na taberna, como é que mesmo depois de um tal cataclismo apocalíptico ainda pode contar a sua história e há alguém para a acompanhar. Mas apesar disso, este é mais um conto muitíssimo bem escrito e bastante interessante.
Contos anteriores deste livro:
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