Quem não conhece ficção científica tende a avaliá-la por aquilo que costuma aparecer no cinema, e normalmente pelo pior, no sentido de mais raso e superficial, que aparece no cinema, julgando a FC, toda a FC, pelos efeitos especiais e sessões de pancadaria mais ou menos tecnológica que a maioria dos filmes contém. Quem conhece ficção científica, claro, sabe que o género vai muito além disso e, não raro, irrita-se com essa imagem básica que o cinema lhe cola.
E depois põe-se a mostrar coisas. Coisas como este conto de Dean Whitlock, por exemplo.
Como muitas outras obras de ficção científica, Iridescência (bibliografia) é um conto sobre o outro. Mas pode-se falar do outro das mais variadas formas, e a ficção científica fá-lo desde sempre, do monstro incompreendido de Mary Shelley ou dos marcianos conquistadores de Wells à panóplia de outros da ficção científica moderna, que replicam as mesmas abordagens e mais algumas. A de Whitlock é dupla e debruça-se sobretudo sobre a dualidade entre a violência e a não-violência, e o valor e utilidade (ou não) de cada uma.
Aqui, estamos num futuro indefinido pós Primeiro Contacto. O protagonista é um humano, ex-polícia (acabado de se demitir), que para na rua a ver um alienígena fazer bolhas de sabão de uma forma especialmente artística. E que testemunha depois uma agressão por parte de um segundo alienígena, de outra espécie particularmente abrutalhada, contra a arte do primeiro. E que intervém, o que tem como consequência passar a alvo de uma agressão quase mortífera, e isso tem como consequência que o primeiro alienígena o acolhe em casa para cuidar dele até recuperar a saúde. E ganhando assim um companheiro. Mas os dois não se livram do agressor, que se põe a persegui-los, o que leva a um desenlace trágico.
O alienígena das bolhas é adepto da não-violência e da cedência como estratégia. Ao longo da leitura vamo-nos apercebendo de que não o foi sempre, de que existe qualquer coisa no seu passado, ou talvez nas suas inclinações mais íntimas, que o empurra para o outro lado, mas no presente da história é essa a sua abordagem. O humano, como bom ex-polícia, acredita que a violência é necessária. E Whitlock usa essa dicotomia e o desenrolar da história para refletir sobre a questão. Profundamente. Sem a carga de ideias preconcebidas que uma história equiparável a esta mas escrita em modo realista traria inevitavelmente consigo. E esta é uma das grandes qualidades da ficção científica: permitir depurar as questões até à sua essência, afastando delas todo o ruído que as rodeia no mundo real. O resultado? Varia. Às vezes é bom, outras mau. Como tudo. Neste caso é ótimo. Este é um conto muito bom.
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