Às vezes tenho pena de não conseguir arranjar uma tradução para a expressão "purple prose" que transmita a mesma sensação de vacuidade presunçosa da expressão inglesa. Há quem a traduza como prosa poética, mas não é bem a mesma coisa; embora toda a purple prose tente ser poética, nem toda a prosa poética é purple. Um ótimo exemplo do que acabei de dizer é a prosa do Mia Couto, poética até à medula mas sem nada de purple. No entanto, arrisco-me a dizer que realmente existe uma relação entre as duas coisas e que a purple prose é o que acontece quando alguém sem domínio da língua e/ou talento suficiente tenta fazer prosa poética. Provavelmente não estarei inteiramente certo, mas aposto que não ando muito longe da verdade.
Em tempos, passou-me pela cabeça tentar adaptar para "prosa azeiteira", mas também não: essa é expressão demasiado (e desnecessariamente) insultuosa, mesmo havendo na purple prose um forte pendor para o mau gosto estético que a expressão sugere. Portanto desisto e fica mesmo em inglês.
Vem isto a propósito de ter lido recentemente dois exemplos da mais pura purple prose. E aqui está um deles.
Sem as cores desagradáveis da prosa, De Dentro Ninguém Responde até podia ter tido algum interesse. Um conto sobre um psicopata artista, ou artista psicopata, burguesíssimo, e a relação que se estabelece entre ele e uma antiga professora, tragédia ambulante, pode ser interessante se bem concebido e bem escrito, apesar da banalidade das personagens. Sim, banalidade: a literatura (e o cinema, e a televisão, e a BD, e...) tem uma certa predileção por este tipo de personagens, e tem-nas trabalhado e retrabalhado até à exaustão. Acha as suas histórias interessantes, suponho, mas de tanto usá-las torna-as banais e por isso desinteressantes. É o paradoxo do cliché: todos nascem como ideias boas e inovadoras, morrendo como tudo menos isso. Mas apesar disso, ainda se podem fazer histórias interessantes com essas características.
Mas para as fazer é preciso que elas sejam bem concebidas, desejavelmente de forma inovadora, e bem escritas. E se Ana Paula Nascimento não estrutura mal a sua história, também não se pode dizer que seja particularmente criativa a fazê-lo. O pior, contudo, é mesmo a forma de escrever, a escorrer púrpura por todos os lados. Resultado: só posso considerar este conto mau.
Contos anteriores deste livro:
Eu chamo à "purple prose" linguagem rebuscada ou rebuscadíssima. Se é prosa poética má ou mal conseguida... então é prosa poética má ou mal conseguida.
ResponderEliminarIsto é subjectivo. O que uns gostam, outros detestam.
Recentemente achei um caso assim:
http://gotikka.blogspot.com/2019/07/o-corvo-de-fialho-de-almeida.html
Eu, pelo menos, detestei. Tenho um exemplo do texto referido.
Era interessante se colocasses nas críticas alguns exemplos das passagens criticadas. Acho que ninguém se importa se for só uma frase ou duas e faz-se muito correntemente.
Não é bem a mesma coisa. O David Soares, por exemplo, usa uma linguagem rebuscadíssima, mas sem nada de purple prose.
EliminarQuanto aos exemplos, sim, concordo que é interessante e por vezes faço-o. Mas confesso que nem sempre tenho paciência (ou sequer tempo) para ir à procura de exemplos para citar. Estas opiniões tendem a ser escritas de memória, basicamente.
Só para clarificar: uso o termo "rebuscado" no seu sentido mais negativo. Quando é tão rebuscado que até irrita.
ResponderEliminarSim, confere com o David Soares. ;)
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