segunda-feira, 1 de julho de 2019

H. G. Wells: Um Sonho do Armagedão

Se me pedissem para rotular este conto de H. G. Wells, a expressão que eu teria de usar é "ficção científica onírica". Porque ao contrário do que acontece nos seus romances de FC mais conhecidos (A Guerra dos Mundos, A Máquina do Tempo, A Ilha do Dr. Moreau, O Homem Invisível), cujo combustível é a tensão entre a tecnologia — mesmo que biológica, como nos dois últimos casos — e aqueles que a dominam por um lado e a sociedade em geral por outro, em Um Sonho do Armagedão estamos basicamente no mundo dos sonhos, o que aliás o próprio título já revela.

Não que essa tensão esteja aqui ausente. O conto é daquelas histórias clássicas da viragem do século XIX para o XX (quase precisamente: o conto foi publicado em 1901), em que o narrador se limita a contar ao leitor uma história tal como lhe foi contada a ele por um terceiro. Neste caso, o terceiro é um homem perturbado que conhece numa viagem de comboio, o qual lhe relata uns sonhos particularmente vívidos que teve durante algum tempo... uns sonhos em que ele é uma pessoa diferente. Uma pessoa futura.

Detalhe da maior importância: o homem é capaz de descrever com precisão as paisagens de regiões de Itália nas quais nunca esteve e que o narrador reconhece porque ele viajou por lá. Wells consegue assim gerar no leitor a ideia de que aquilo que o homem sonha não é sonho mas realidade, de que ele está de alguma forma ligado oniricamente com um futuro verdadeiro. De resto, é essa a opinião do homem, apesar de deparar com o ceticismo do companheiro de viagem.

E o que o homem descreve é a descida ao inferno da guerra de um mundo aparentemente unificado que há décadas, talvez há gerações, desconhece tal flagelo. Tudo devido à ambição e sede de vingança de um líder carismático mas tresloucado e à inação do homem que poderia detê-lo — o próprio alter ego futuro do passageiro de comboio. Wells cria assim uma ficção científica pacifista que alerta para o perigo de ficar de braços cruzados quando os monstros ganham relevância e protagonismo, décadas antes de uma II Guerra Mundial que pareceu concretizar tudo o que Wells temia.

E o pior?

O pior é que o alerta vai ganhando uma relevância crescente nos dias de hoje, mais de um século depois da publicação desta história.

Conto anterior desta publicação:

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