Enquanto fui lendo esta novela de Luís Filipe Silva foi-se-me avolumando na mente uma suspeita, que não passará nunca de suspeita a menos que algum dia o autor a confirme ou desminta: a de que In Falsetto (bibliografia) foi escrito, ou pelo menos começou a ser escrito, com Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa em mente.
É que embora se trate de uma novela steampunk, a pegada pulp é nela inconfundível e intensa.
A história desenrola-se em Lisboa, cidade à qual chegam mais ou menos em simultâneo dois representantes das duas grandes potências deste mundo criado pelo Luís: a França e a Áustria (ou Grosse Germania, termo que faz lembrar algumas das histórias de ficção científica do João Barreiros). Os primeiros, representados por um milionário com o pouco gaulês nome de Gulliver, querem oferecer ao rei português um autómato particularmente sofisticado, como forma de dar um golpe publicitário; já os segundos, vêm em perseguição de um ladrão muitíssimo escorregadio, que pode, ou não, estar a planar apropriar-se do autómato dos franceses e criar assim um incidente diplomático.
No meio de tudo anda um inspetor da polícia civil do reino de Portugal, que não sabe lá muito bem o que anda lá a fazer e é destratado com sobranceria por vários dos intervenientes, embora acabe por ser decisivo em vários momentos da trama. Esta, claro, é movimentada, cheia de reviravoltas, muitíssimo pulp... e bastante vazia.
Como sabe quem lê regularmente (ou mesmo esporadicamente) o que vou deixando escrito aqui na Lâmpada, não gosto de pulp. E o principal motivo é precisamente este: no afã de tentar distrair, criando enredos aventureirescos e enovelados, os produtores de pulp decidem com demasiada frequência não escrever sobre grande coisa, quando não é mesmo sobre coisa nenhuma. O escapismo puro na literatura não me interessa minimamente; quando quero ou preciso de desligar o cérebro, vou babar-me para a frente da televisão, não me ponho a ler. Ler para nada obter em troca é demasiado esforço para coisa alguma.
Sendo justo e rigoroso, não se pode dizer que Luís Filipe Silva não tenha escrito sobre nada nesta novela. Há aqui, corporizado no inspetor da polícia, aquele tradicional fadinho nacional de ser pequenino e irrelevante mas acabar desenrascando qualquer coisinha, e através das restantes personagens há também uns pozinhos de geopolítica com alguns reflexos na geopolítica contemporânea da União Europeia. Só que tudo isto tem dois problemas: por um lado é muito ténue, um pano de fundo para uma história cujo foco está decididamente virado para outras coisas; por outro lado é banal, já foi feito n vezes por outros n autores, e Luís Filipe Silva, provavelmente porque o seu foco está noutras coisas, não inova em nada.
E a consequência é que esta novela está muitos furos abaixo do melhor que o autor já produziu. Não é má, até porque o melhor de Luís Filipe Silva é francamente bom, mas não passa do razoável. Um exercício pulp que talvez agrade a quem gosta dessa abordagem mas que é muito provável saber a pouco aos restantes de nós. E uma revisão atenta, que claramente não existiu durante a preparação deste livro, também não seria tempo perdido.
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