Outro conto por onde passa levemente um cheirinho a ficção científica, embora muito mais leve do que no conto anterior, esta História do Guerreiro Sobrevivente é sobretudo uma narrativa sobre a ansiedade masculina num mundo em mudança.
A princípio não parece nada. Com a sua habitual habilidade narrativa e excelente tratamento da língua (diga-se que muito bem servida pela tradução, como de resto é hábito de José Colaço Barreiros), Italo Calvino mergulha-nos em plena batalha medieval, um ambiente típico de uma narrativa histórica ou de fantasia épica. O conto acompanha o que faz e pensa um determinado guerreiro no meio da confusão da batalha, e a forma como trava um feroz e prolongado duelo com um guerreiro inimigo que, num momento de distração, desaparece.
Depois, reencontra-o no rescaldo da batalha que o seu exército perdera. Mas depressa se apercebe de que não se trata de um homem, mas de uma mulher. De orgulho ferido por ele, um homem treinado nas artes da guerra, não ter conseguido derrotar uma mera mulher, enche-se de fúrias vingativas, mas é aconselhado a não fazer o que pretende pois aquela é uma guerreira do invencível exército das amazonas, que já terá conquistado meio mundo e só poderá continuar a fazê-lo.
A vitória das amazonas é descrita como genocida, numa antecipação de distopia que aproxima esta história da FC: os homens que o exército das guerreiras encontra ou são mortos ou castrados; não há outra possibilidade. E assim termina o patriarcado, em sangue e chamas, inaugurando-se uma nova era de domínio feminino. E assim compreendem o motivo por que eu ali em cima disse que o tema deste conto é a ansiedade masculina num mundo em mudança, em que o poder secular do masculino é posto em causa.
Há muito sumo a espremer desta pequena história.
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