quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Lido: O Tesouro

Como sabem os que costumam vir à Lâmpada, tenho andado, nos últimos tempos, a ler contos populares, tanto portugueses como os alemães recolhidos e reformulados pelos Irmãos Grimm. E uma das coisas que me tem impressionado é a falta de utilização desses contos, na nossa literatura, como matéria-prima para ficções mais elaboradas, pelo menos fora do universo estritamente infanto-juvenil. Isto contrasta vivamente com o que acontece noutras paragens pois, como se sabe, boa parte da fantasia está solidamente alicerçada nas histórias tradicionais de vários povos. E, como tenho dito repetidamente, haveria pano para muitas mangas.

Pois bem, o Eça, o incontornável Eça de Queirós, também deve ter achado que havia pano para muitas mangas. E com este conto a que chamou O Tesouro mostra o que se pode fazer em literatura adulta com as histórias tradicionais.

A estrutura é bastante típica dos contos populares, apesar de lhe faltar o elemento fantástico que existe (e na verdade que sustenta) a maioria. Três irmãos, fidalgos asturianos muito empobrecidos, um belo dia quando andam à caça encontram um velho cofre trancado com três fechaduras. Aqui temos logo o número três, tão abundante nas histórias tradicionais, e a ambientação para uma história moral fica completa quando os três irmãos conseguem abrir o cofre (pois as chaves estavam nas fechaduras) e encontram lá dentro um imenso tesouro. Segue-se a cobiça. E o assassínio, que nenhum dos irmãos era propriamente boa pessoa.

É bom, este conto? Sim, é. É certo que lhe falta uma das principais qualidades de Eça, a ironia corrosiva, mas está tão bem escrito como seria de esperar e tem outras qualidades que não se encontravam nos textos anteriores deste livro. Afasta-se do estudo de personagem e, ao fazê-lo, adquire uma densidade narrativa mais sólida. E já para não falar da forma como adapta a história tradicional, ou pelo menos a estrutura destas histórias.

Contos anteriores deste livro:

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