sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Lido: Civilização

Parece ser praticamente unânime que Eça de Queirós, sendo sempre bom, é melhor quando se carrega de ironia, coisa que fazia com frequência. E neste conto, que tal como os anteriores consiste principalmente de um estudo de personagem, fê-lo de forma particularmente incisiva. Mas só na primeira parte.

Civilização não será um conto sobre a civilização, propriamente (embora até acabe por ser), mas sobre um civilizado. Ou melhor, sobre um ultracivilizado, palavra de Eça, um homem de finais do século XIX fascinado com toda e qualquer inovação saída das engenhosas mentes dos inventores. Autores de steampunk podem encontrar aqui inspiração com fartura porque o homem, podre de rico, instala no seu palacete urbano tudo quanto é engenhoca e assim vive, rodeado de coisas mecânicas.

Que volta e meia avariam.

Nesta fase do conto, a ironia fina de Eça transborda e chega a provocar gargalhadas. Mas depois, uma viagem até à decrépita propriedade rural do ultracivilizado protagonista corre mal e ele é obrigado a descobrir as alegrias da simplicidade da vida campestre. E aí o conto muda radicalmente de tom, tornando-se bucólico e romântico... e perdendo boa parte do interesse que me despertara até aí.

A palavra "romântico" não está ali em cima por acaso. Há muito de romantismo neste conto, mesmo não existindo nele grandes amores... romantismo no sentido literário do termo: a exaltação da natureza e da simplicidade da vida campestre em detrimento da sofisticação tecnológica, por exemplo; a exaltação do indivíduo... Eça chega a mostrar-se quase ludita, mas enquanto o faz com ironia é uma pequena delícia. O problema é que a páginas tantas abandona a crítica e passa à exaltação, e aí torna-se algo monótono, previsível e até um pouco panfletário. O conto continua a estar tão magnificamente escrito como antes, mas isso não é suficiente.

Contos anteriores deste livro:

2 comentários:

  1. É uma espécie de "A cidade e as serras" em formato conto?

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    Respostas
    1. Julgo que sim. Acho que o romance desenvolve o conto, embora o romance faça parte dos livros do Eça que ainda me falta ler.

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