segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Lido: Caminhos do Espaço

O leitor que já tenha alguma experiência destas coisas, já sabe de antemão parte do que vai encontrar sempre que pega num livro de ficção científica publicado nos anos 50 ou 40, especialmente os que foram escritos por homens brancos e anglos — ou seja, quase todos os que eram publicados na época. Por isso não foi nenhuma surpresa encontrar neste Caminhos do Espaço (bibliografia) do inglês Charles Eric Maine a habitual combinação de misoginia e conservadorismo social tão típicos da época e do género. Mas foi surpresa, e não das agradáveis, encontrar aqui um enredo de telenovela.

Trata-se de um livro de FC de futuro próximo, não o nosso, mas o do autor na época em que escreveu. Imagina como se realizariam os primeiros passos humanos no espaço e, sendo o autor inglês, situa com toda a naturalidade a ação nos EUA. A realidade trocou-lhe as voltas, tendo os primeiros passos sido dados pouco mais tarde na URSS, tanto os não tripulados como os tripulados. Mas há bastantes aspetos em que Maine até acerta na antecipação ou pelo menos na verosimilhança: o foguetão da (boa) capa corresponde aos foguetões que o texto nos traz, claramente descendentes dos mísseis alemães do tempo da II Guerra Mundial, e frutos de um projeto de investigação liderado por um cientista alemão fugido para os EUA, a investigação e o lançamento, secretos e militarizados, têm lugar no deserto do Nevada, na mesma zona em que têm lugar os ensaios nucleares e outras atividades secretas das forças armadas norte-americanas, e por aí fora.

Infelizmente, pouco mais há neste livro de bem conseguido. O que faz mover a história é quase por inteiro um enredo telenovelístico de amores cruzados, completados com crimes (reais ou suspeitados) e tragédias de faca e alguidar, muitíssimo desinteressante, e a prosa não passa de razoavelmente competente, muito prejudicada por uma tradução horrenda, cheia de erros e calinadas, até mesmo ortográficos.

O protagonista é um oficial de segurança que acaba como que desterrado para o Nevada, completamente a contragosto, porque... teve uma relação com uma mulher casada, e se calhar vermelhusca, e andava doente de amores. Aí chegado, depara com uma comunidadezinha de técnicos e cientistas que se dedicam a construir o primeiro foguetão orbital da humanidade e... é sucessivamente apanhado de surpresa por tudo o que vai acontecendo. Não, o que acontece nada tem a ver com a construção ou operação do foguetão. Tem a ver com uma secretária que se embeiça por ele e com um triângulo amoroso entre dois dos técnicos e a caprichosa e egoísta mulher de um deles. E depois acontece o lançamento e os amantes desaparecem e o marido chifrudo é suspeito de assassínio. E o drama, e o horror... e a patetice de tudo isto é qualquer coisa de superlativo.

No meio de toda esta telenovela, a ficção científica é secundária. O foguetão é lançado, mas aparentemente esse facto não provoca nenhum impacto na sociedade, apesar do lançamento ter sido difundido. O que tem impacto na sociedade é o julgamento do marido chifrudo suspeito de homicídio. Vá que o homicídio, a ser real, tem algo de insólito, pois as suspeitas — completas com cálculos matemáticos e uma trajetória diferente da antecipada — apontam para ele ter enviado os cadáveres do casal assassinado para órbita dentro do foguetão, o que será a parte mais interessante de toda fração telenovelística do enredo. Por isso, ele só se defende pedindo para ser enviado num segundo foguetão que possa ir recuperar o primeiro e demonstrar que não há nenhum cadáver lá dentro. O que não tem grande lógica, mas enfim. E realmente acaba por não correr bem.

Resumindo e concluindo: este é um livro bastante fracote, e só não o acho realmente mau porque o ramalhete que o compõe contém dois ou três elementos bem concebidos. E porque lhe faço o favor de dar o desconto devido à edição portuguesa, que consegue piorá-lo ainda mais.

Este livro foi comprado.

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