Já o tinha sentido, embora não o tenha referido, quando li A Máquina de Joseph Walser, e voltei a senti-lo agora: há qualquer coisa de profundamente insólito nestas ficções de Gonçalo M. Tavares. Não sei, por Tavares ser ainda um autor pouco lido por mim, se em todas se apenas nas que se englobam na série d'O Reino.
Sim, que tudo me leva a suspeitar que este A Moeda também pertence a essa série. Embora isso não esteja escrito em lugar algum, a mesma atmosfera geral, os nomes semelhantes, com ressonâncias da Europa central, as personagens presas nos seus pequenos labirintos, são outras tantas marcas de consanguinidade com os livros pertencentes a essa série. Julgo eu. Talvez me engane.
Seja como for, este conto é sobre um homem que vai ao médico porque lhe apareceram manchas espalhadas por todo o corpo. Detalhe, vai ao médico acompanhado por uma prostituta (depois de o ter feito acompanhado pela mãe, que entretanto morre). Porquê? Lá está: insólito. De resto, não é só aí que esse insólito se revela, pois também as manchas, o seu aparecimento e a sua evolução, são inteiramente misteriosos. O médico, esse, não lhes dá importância, antes sorri, superior. Como a própria prostituta também se ri, superiora.
Tal como acontece com Joseph Walser, também este conto é sobre um homem insignificante ao qual acontecem coisas que estão totalmente fora do seu controlo, e às quais ele é obrigado a adaptar-se a contragosto, com uma espécie de revolta surda e impotente. Coisas e pessoas, melhor dizendo. Há nele (conto ou personagem, tanto faz) algo de insatisfatório que me parece absolutamente propositado mas não deixa por isso de ser insatisfatório. Em boa medida por esse motivo, este conto pareceu-me bastante bom ao mesmo tempo que não me agradava por aí além. Por vezes acontece. Por vezes acontece o contrário.
Será que lembra Kafka?
ResponderEliminarHm...
EliminarBoa pergunta.
Pode ter alguma influência, sim, embora não seja propriamente a mesma onda.