sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Lido: Remix

Há livros que são leitura obrigatória nas escolas. Tenho sobre isso uma opinião iconoclástica, de que esse facto faz mais mal do que bem ao objetivo de termos um povo de leitores, embora reconheça a sua utilidade para outras finalidades, e este último facto deve explicar desde logo que a minha oposição a leituras obrigatórias é mais pragmática do que ideológica. Apoio-as quando me parecem úteis, oponho-me a elas quando as acho inúteis ou prejudiciais.

E depois de ler este Remix fiquei com a firme convicção de que ele devia ser leitura absolutamente obrigatória para qualquer pessoa que queira opiniar sobre direitos de autor em particular e sobre as formas de divulgação e comercialização da arte em geral, tanto nos dias que correm quanto num futuro mais ou menos próximo.

Não que esteja à espera que toda a gente vá concordar com tudo o que aqui vem escrito. Nem vamos mais longe: eu não concordei, e até suspeito que o próprio Lawrence Lessig, se relesse hoje este seu livro, tampouco concordaria. Ele foi publicado em 2008, há dez anos, e dez anos na internet é uma eternidade. Em 2008, só para dar um exemplo, ainda nem se suspeitava que a mentira e a falsificação meticulosas e sistemáticas via internet viriam a ter um tão grande impacto na sociedade. O livro está datado, por esse motivo e por mais alguns detalhes. Se fosse reeditado hoje precisaria de uma atualização razoavelmente extensa.

Mas mesmo assim, a análise que ele faz sobre os vários tipos de produção e consumo de cultura e seus aspetos legais, éticos e económicos, e a defesa que é aqui feita do hibridismo cultural são francamente interessantes e cheios de sumo. Mesmo sendo o ponto de partida o de um social-democrata com algumas tendências libertárias (não sei se ele se identificaria politicamente assim, mas foi a ideia com que fiquei), e mesmo não sendo possível concordar parágrafo a parágrafo com o que ele defende, parece-me um facto puro e duro que qualquer pessoa que não seja especialista do tema, depois de ler este livro, fica bastante mais apetrechada para pensar sobre ele.

Daí eu dizer que o livro devia ser de leitura obrigatória. Os autores e artistas, em particular, tantas vezes levados ao engano por intermediários que não têm realmente os seus interesses em mente quando desenvolvem as ações que desenvolvem, lucrariam imensamente em ler este livro. Quanto mais não seja para ficarem com ideias mais firmes sobre onde se enquadram e onde e como pretendem enquadrar-se no vasto espectro da produção cultural. Porque é essa a principal ideia que aqui vem expressa: a de que a produção cultural é um espectro muito multifacetado e que portanto tentar enquadrá-la toda por igual é um disparate tantas vezes castrador da criatividade e da própria produção cultural. E isto, além do mais, entronca diretamente na atual discussão sobre copyright a decorrer na Europa, e muito em particular nos famigerados artigo 11 e artigo 13. Dificilmente seria mais atual, portanto.

Não é um livro perfeito, mas é francamente bom.

Este livro está à venda em vários sítios (incluindo a Wook), mas também é possível obtê-lo legalmente em ebook no archive.org, aqui. Foi o que eu fiz.

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