Não faço, obviamente, a mais pequena ideia do número de vezes que a Ana Cristina Luz reviu este conto mas, se fosse obrigado a adivinhar, dificilmente aventaria algum número que não fosse zero. E é pena, porque o conto tinha potencial para ser bom.
É que não encontro outra explicação para a quantidade de repetições e de trechos de ideias remastigadas que se encontram nesta Premonição (bibliografia). Em parte, compreendo que a ideia tenha sido encher o texto de foreshadowing, mas há um equilíbrio delicado, que a autora esteve muito longe de conseguir alcançar, entre deixar no texto indicações de acontecimentos futuros e enchê-lo de alusões tão óbvias e repetitivas que quando esses acontecimentos acontecem (sim, a repetição é propositada, já verão porquê) já não trazem consigo nenhuma surpresa.
A segunda página do conto é disso um bom exemplo. Às tantas aparece um "acontecimento do século" (o que ainda por cima é um daqueles clichés que conviria evitar o mais possível). Logo no parágrafo seguinte lá temos um "palco de todos os acontecimentos" e, no mesmo parágrafo, apenas quatro linhas mais à frente, aparece outro "palco de todos os acontecimentos". Mais um parágrafo e temos uma "concretização de acontecimentos" com que alguém sonha. E o conto é quase todo assim, pois quando não são as construções frásicas e as palavras a repetir-se são as ideias. E a leitura sofre, claro. Muito.
E é pena. Uma revisão bem dada a este conto podia resultar numa boa história, que a ideia-base tem o seu interesse: numa linha temporal alternativa em que a monarquia perdura até aos dias de hoje, uma mulher com poderes divinatórios, mas renitente em usá-los, ou pelo menos em acreditar neles, antevê uma desgraça quando se celebrar o tal casamento que o parágrafo anterior menciona: uma união entre as coroas espanhola (por via masculina) e portuguesa (por via feminina). O que, sim, explica o título. E há ainda questões geopolíticas à mistura, há questões relacionadas com as personalidades do noivo e da noiva, por aí fora. E há um final surpresa que com menos foreshadowing seria muito mais bem sucedido.
Ou seja, este é um daqueles contos cuja execução bastante fraca estraga uma ideia com potencial. Julgo que a autora tentou sair da sua zona de conforto, e não lhe correu bem. Se assim foi, a intenção até é boa, mas a verdade é que em literatura os resultados contam muito mais que as intenções, e ter ideias com potencial nunca será suficiente.
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