terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Mia Couto: A Mancha

Eu até gosto dos contos realistas do Mia Couto; já ficou para trás uma série de opiniões que me desmentiriam se não fosse verdade. Mas os fantásticos são outra coisa. É nos contos fantásticos, parece-me, que a união da prosa repleta de magia linguística com as histórias propriamente ditas, cheias de outro tipo de magia, forma um todo que se eleva a um patamar superior. A Mancha é uma dessas histórias fantásticas. E eu já andava com saudades delas.

E também é um conto duríssimo. O protagonista é um homem, pobre, descamisado, que anda a viajar pelo mato sem sabermos o motivo. Nem interessa. Nisto, encontra um casaco de uniforme militar, em perfeito estado e aparentemente sem dono. Matuta longamente no que fazer. Por um lado, sente falta de alguma roupa que o proteja dos elementos. Por outro, vestir uniforme pode ter consequências indesejáveis, até perigosas. E se o alvejam?

Acaba por decidir envergar a vestimenta. Soa um tiro. Apalpa-se, está incólume. Mas algo corre mal. Surge uma mancha de sangue no casaco, sem origem que se compreenda. E o final do conto torna-se inevitável. Porque o que Mia Couto aqui diz é que o hábito pode não fazer o monge, ou a farda o soldado, mas quem o ou a veste acaba sempre por sofrer as consequências do ato. Seja ou não inocente à partida, a vestimenta destrói essa inocência. A mensagem é forte, o conto excelente.

Textos anteriores deste livro:

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