Nos últimos tempos tenho, a propósito deste livro, falado muito sobre a diferença que me parece encontrar entre o conto e a crónica, mesmo quando se chama crónica a tudo. E Mia Couto parece ter decidido abrir um furo no meu argumento, porque este A Prenda do Viajante tem todo o ar de coisa acontecida, que ele narra à sua maneira. Pode não o ter sido, pode ser só o ar. Pode ser apenas efeito de ele ter decidido contar esta história na primeira pessoa. Mas o facto é que o resultado se tornou algo híbrido. Algo incerto, pelo menos no contexto de um livro intitulado Cronicando. Será isto ficção? Será narrativa de factos reais? Será as duas coisas, uma crónica ficcionada? Desconheço.
Mas na verdade pouco interessa. Esta é uma história engraçada sobre encontros e perplexidades culturais. Um viajante (o próprio Couto?) viaja para uma ilha, sem nome mas habitada. A viagem, demorada pelas autoridades que têm de analisar demoradamente os documentos, é feita de barco, claro, e quem fala de barco fala também de barqueiro. Este cobiça um cantil ao viajante, o qual lho oferece. Mas o viajante não está preparado para o pagamento da oferta; outra oferta, como é de norma nas sociedades que não querem conhecer o dinheiro.
Terá acontecido? Mia Couto o saberá. Podia ter acontecido, e suponho que isso baste. Esta não é das melhores histórias deste livro, mas não deixa de ser também uma boa história.
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