segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Ângelo Brea: As Grandes Vantagens da Neolíngua

É muito breve, este conto de Ângelo Brea. Apenas três páginas. É muito breve e não me parece estar particularmente bem escrito, em coerência, afinal, com os contos anteriores. Mas mesmo assim consegue trazer em si pelo menos dois níveis de leitura. Bastaria isso para o impedir de ser mau. Mas há mais do que isso.

Não se trata, propriamente, de um conto sobre As Grandes Vantagens da Neolíngua. É um conto de ficção científica social cujo protagonista é um professor de japonês, uma língua em vias de extinção, uma das últimas, das poucas que ainda não foram irremediavelmente substituídas pela nova língua global, a neolíngua. Um daqueles contos de situação, quase sem enredo, focados no protagonista e na sua opinião sobre a situação com que estão confrontados. No caso, é a tristeza que predomina. A tristeza de alguém que ama a língua e a vê a desaparecer entre os dedos, sem poder fazer nada para a segurar.

O primeiro nível de leitura é esse: a projeção para o futuro de uma tendência de empobrecimento linguístico resultante da unificação planetária numa civilização única. Mas o segundo surge quando nos lembramos de que o autor é galego, de que a língua galega foi reprimida durante séculos pelo estado central espanhol, dominado por Castela e pelo castelhano, e ainda hoje, apesar de já ser reconhecida e até oficial, sofre com o preconceito secular e as suas consequências, e por isso ele conhece na pele a situação em que coloca o seu protagonista.

Este é um conto sobre o futuro, mas na verdade sobre o presente. É o que acontece com quase toda a ficção científica mais interessante.

Contos anteriores deste livro:

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