A palavra Mezungos, diz uma nota que abre este conto, significa brancos, e quando o leitor fica a saber esta informação fácil é chegar à conclusão de que a ideia de Mia Couto é falar aqui sobre relações raciais. E o leitor não se engana, propriamente, ainda que não seja bem isso. Ou só isso.
O conto arranca quando um negro bêbado, adequadamente sujo e maltrapilho, entra sem ser convidado numa festa de gente bem na vida. Não sozinho, não. Acompanha-o um cabrito engravatado. O que o leva lá? Pois vai lá buscar o filho, que segundo ele estaria no meio dos mezungos e ele, simples preto humilde, como chama a si mesmo, quer levá-lo para casa. Os outros, claro, não gostam, e depois de tentarem explicar-lhe que não o filho não está lá, acabam a tentar expulsá-lo. É que ali são todos negros, não há brancos presentes. Mas o homem, quando os outros lhe dizem que são negros como ele, não acredita, chama-lhes brancos disfarçados de negro, e as coisas só não acabam mal porque ele resolve ir-se embora para denunciar a impostura às autoridades.
Este é um conto duríssimo, por maior que seja a poesia que o reveste. É um conto que acusa diretamente as elites aburguesadas do Moçambique independente de replicarem a tal ponto os tiques e as práticas da administração colonial que se torna difícil distinguir uma coisa da outra. Por isso o bêbado lhes chama brancos disfarçados: não vê nenhuma diferença real. É um conto muito bom, este.
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