terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Flávio Moreira da Costa: Mensch(s)

Causa por vezes alguma celeuma que os organizadores de antologias incluam obras próprias nos volumes que organizam, por mais banal e corriqueiro que o facto seja. A celeuma parece radicar-se numa ideia deturpada de justiça: aparentemente julga-se ser injusto que o organizador se escolha a si próprio em detrimento de algum ou alguns autores terceiros que se veem assim excluídos da oportunidade que de outra forma teriam. Esta ideia é errada por um motivo simples: ao incluir-se, o organizador está a dizer que considera que a sua obra ombreia com as outras obras escolhidas, e ao fazê-lo está a expor-se, a correr um risco acrescido. Porque se houver uma diferença de qualidade nítida entre obra própria e obras alheias isso não deixará de ser apontado e criticado com severidade.

O caso muda um pouco de figura quando a antologia que se está a organizar pretende apresentar ao público "os melhores contos" disto ou daquilo. É que, salvo circunstâncias muito excecionais, o organizador de uma antologia assim não terá escrito um dos melhores contos sobre o tema proposto. Que circunstâncias muito excecionais? Bem, exemplifiquemos: eu poderia incluir-me numa antologia dos "melhores contos algarvios de ficção científica", pois estes são poucos, de um modo geral não muito bons e, tanto quanto eu saiba, o algarvio que mais se dedicou ao género sou eu, pelo que pelo menos essa relevância tenho, mas já não me incluiria numa antologia dos "melhores contos portugueses de FC de todos os tempos".

Bem, Flávio Moreira da Costa incluiu-se. É certo que Mensch(s) (bibliografia) é das histórias mais curtas da antologia, apenas com a extensão de miniconto, é certo que ele incluiu o conto numa secção própria a que chamou "Bónus", separando-o assim daqueles que serão de facto "os melhores contos fantásticos" (pelo menos na sua opinião), mas não é menos certo que se incluiu.

E é ele quem perde com isso, porque o conto, sobre uns tais mensch que entram e saem a seu bel-prazer do corpo, do qual se alimentam, até tem o seu interesse mas fica muito, muito longe da generalidade das restantes histórias do livro. Podia, com algumas alterações, figurar no Compêndio Calamar Trindade, onde não destoaria, mas neste livro? Não. Neste livro não cabe. Ou não devia ter cabido, mais precisamente.

Textos anteriores deste livro:

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