terça-feira, 11 de junho de 2019

Maria de Menezes: Tour de Main

Uma das coisas em que a literatura, nomeadamente a fantástica, tem sido fértil nos últimos anos são as releituras e adaptações dos contos de fadas. E geralmente não de uns contos de fadas quaisquer, pois raros são os contos e romances criados com essa base que fogem dos contos mais conhecidos, seja por via das versões originais, seja por via das adaptações mais ou menos disneycas que eles foram tendo ao longo das décadas. E não me citem, mas desconfio que mais por via das segundas que das primeiras.

Não surpreenderei ninguém, suponho, se disser que este Tour de Main (bibliografia), de Maria de Menezes, é uma dessas releituras.

E é uma releitura moderna, apesar de não perder a marca de fantasia. Uma releitura da história da Cinderela na qual a jovem Cinderela (que mantém o nome) não é uma desgraçada que tenta sobreviver sob o jugo da madrasta e das filhas desta, mas uma betinha muito betinha que se limita a não ter pachorra para aturar "as bruxas" mas tirando isso tem uma rica vidinha de privilégio. Privilégio esse que se estende "às bruxas", naturalmente, as quais são tão ou mais betinhas do que ela. Umas perfeitas tias de Cascais, távere?

Nisto aparece a fada, aflitinha, porque a piquena Cinderela tem de ir a uma fêsta qualquer no Algarve, onde vai estar um príncipe, távere?, e ela tem de ir que é pa casar com ele e viver a vida toda em caturraira. Cinderela não está muito pelos ajustes, não percebe que raio de mulher é aquela que lhe aparece de repente à frente e o que anda ela a fazer a gatos e outras coisas, transformando isto em aquilo e aquilo em aqueloutro, muito fartinha. O tom é, sim, humorístico. E sim, o conto está bem escrito. Mas a repetição de gags (como do gato, que é transformado em cocheiro podre de bom e não para de tentar levar a Cinderela para a cama... não tive paciência para contar, mas esse gag repete-se muitas vezes) faz com que depressa se torne também cansativo, pior do que poderia ser.

Sim, este conto tinha potencial para ser bastante melhor. A desconstrução do velho conto de fadas e do machismo a ele inerente em clima de poder feminino («Quero lá saber do príncipe! Eu tenho vida própria!» é algo que a protagonista não diz mas podia perfeitamente ter dito) é intrinsecamente interessante, mas as gracinhas repetitivas e com pouca graça soterram esse interesse em camadas de irrelevância, mesmo admitindo que a mesma subjetividade do humor que me levou a encontrar pouca graça nas gracinhas poderá levar outros leitores a rebolar de riso incontrolável. O conto não é mau. Mas também não me parece que seja bom.

Contos anteriores deste livro:

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