Uma das características básicas das fábulas é a antropomorfização dos animais, mas nem só de animais vivem as fábulas e nem só de fábulas vive a antropomorfização. Não só existem fábulas, e histórias populares em geral, em que o que é antropomorfizado são objetos inanimados, como esta tendência para atribuir a objetos inanimados ideias, motivações e linguagem humanas vai muito para além das fábulas, encontrando-se em todas as vertentes das literaturas do imaginário, e sim, isto inclui a ficção científica; o género está cheio de coisas robotizadas, muitas das quais conversam com gente e/ou entre si.
Pois aqui, neste conto de Abraão Vicente, autor caboverdiano que é a primeira vez que me passa pelos olhos, o objeto inanimado que é antropomorfizado é uma cadeira, como de resto seria de esperar a partir do momento em que se sabe que o tema desta antologia é precisamente esse: cadeiras. E esta até tem nome: Moxim, precisamente.
É um conto literário até ao cúmulo, com o que isso tem de bom — está bastante bem escrito, na perspetiva estrita do domínio da língua — mas também com o que tem de mau. O tema básico, além da superficialidade da cadeira, é a forma como descartamos (ou não) aquilo que nos foi útil, aquilo que talvez até tenhamos amado, de certa forma, mas chegou a um limite qualquer em que se transforma em transtorno. Para o fazer, Vicente dá sentimentos à sua cadeira, e por extensão às coisas que tendemos a descartar, e dá-lhe também o dom da palavra, pondo o conto inteiro na sua consciência. É a cadeira a narradora, é a perspetiva da cadeira que é apresentada. É giro? É giro. Mas...
... mas Vicente parece ter mais desejo de ser poeta do que ficcionista. Talvez por isso tenha enchido o conto com uma tão omnipresente camada de frases e ideias repetidas que ele se torna muito depressa cansativo. À quinta repetição, o leitor já está mais a pensar "sim, pá, já percebi" do que na questão que o autor quer colocar. À décima está a folhear o livro para ver quantas páginas faltam, enquanto pensa "mas isto nunca mais acaba?"
Acaba. São 14 páginas. Mas poderiam perfeitamente ser só umas 7. O conto ficaria melhor, parece-me. Ficaria realmente bom. Assim, é sobretudo chato.
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