Como que para ilustrar o que disse quando falei de Alma, segue-se imediatamente na sequência desta antologia um excerto de romance que decididamente não funciona de todo como conto. Em parte, suponho, isso deve-se à forma de escrever adotada por Maria Velho da Costa, uma escrita algo saramaguiana na ausência de sinais identificativos de discurso direto, mas bastante mais intensa no uso que faz da linguagem popular do que qualquer coisa que Saramago tenha escrito. É também possível que o romance de Maria Velho da Costa de onde este Ó da Barca! é extraído (Casas Pardas) seja todo ele assim, um conjunto episódico de retalhos, sem um fio condutor óbvio, o qual só acabará possivelmente por ficar claro com o decorrer da narrativa, um pouco como quem pinta um quadro impressionista. Certo é que este texto assim isolado simplesmente não funciona.
Mas funcionará como chamariz para o romance? Provavelmente funcionará para alguns leitores, sim. Maria Velho da Costa escreve muitíssimo bem, especialmente — pelo menos aqui — na forma como integra literariamente os oralismos, e há neste excerto um experimentalismo que sugere que todo o romance seja igualmente experimental. Isso deve ser o bastante para muita gente. Para mim não foi. Apesar de ter lido o excerto com agrado, ele não me deixou curioso o suficiente para ir à procura do resto. É interessante, mas não me puxa muito.
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