Quando alguém fala mal da atividade das vanity presses há autores que se amofinam, julgando que atacar a atividade das vanities é equivalente a atacá-los a eles, por publicarem por intermédio desse tipo de empresas. Enganam-se redondamente. O que realmente acontece é que uma vanity é uma empresa fundamentalmente predatória que pega nos sonhos de pessoas que pensam ter coisas a dizer por escrito, nada faz para otimizar a qualidade do texto e por vezes até da edição, quase nada faz para divulgar a edição junto de potenciais interessados, e no fim o resultado é o autor ficar sem o dinheiro (porque tem de pagar a edição do seu bolso) e/ou ter de ser ele quem anda a vender o livro para o prejuízo não ser maior, sem que ninguém lhe diga atempadamente se o seu livro vem com erros, sistemáticos ou ocasionais, se vem com gralhas, se vem com trechos demasiado e desnecessariamente confusos ou embrulhados, por aí fora. Assim, mais vale fazer uma edição de autor, francamente. Defender uma vanity press de quem fala mal dela é um bocado parecido com o síndrome de Estocolmo. É um bocado como uma gazela defender uma chita porque pelo menos a chita lhe dá atenção. Sim, tá bem, devora-a, mas ao menos dá-lhe atenção.
Já estão a ver o caminho que isto leva, não é?
Alguém — um revisor, coisa que as editoras a sério têm e de que as vanities não precisam porque o seu negócio não é a produção de texto de qualidade... e todos nós precisamos de revisor — devia ter dito ao José Conrado Dias que comete erros na colocação das vírgulas e no uso de outra pontuação, os quais chegam ao ponto de dificultar e, aqui e ali, impossibilitar a compreensão das suas frases. Ninguém o fez.
Alguém — um editor, neste caso — talvez lhe devesse ter também dito para controlar os seus impulsos pedagógicos, porque explicar aquilo que não padece de explicação pode satisfazer o bichinho docente (o autor é professor reformado) mas não é literário. A literatura vive da imaginação, não só do autor mas também do leitor, e o excesso de explicações mata-a. Também ninguém o fez. A consequência é este livro estar enxameado de notas de rodapé — 53 para 128 páginas pouco densas —, a maioria das quais perfeitamente escusadas. Já para não falar das explicações inseridas no próprio texto. Chega ao ponto de haver pelo menos um caso em que a mesma coisa está explicada no texto e numa nota de rodapé. Má ideia.
Também talvez fosse bom que alguém lhe tivesse dito que a simplicidade estilística que adotou na maior parte dos dois terços finais do livro gerou um texto de qualidade bastante superior ao que resultou da tentativa de fazer estilo do terço inicial. Também ninguém o fez.
Com todas estas ausências, naturalmente, o que sofre é a novela. Não fossem as ausências, Vou-me Embora podia ser significativamente melhor do que é, mesmo havendo neste texto algumas fragilidades que não se resolveriam apenas com a ação de uma editora propriamente dita. O final, por exemplo, precisaria de trabalho, uma vez que surge de uma forma tão abrupta que parece ter sido concebido para despachar. E poderia dar outros exemplos. Mas devidamente trabalhada, esta história podia ter algum interesse, ainda que para um público ao qual não pertenço.
Com efeito, não costumo gostar por aí além de histórias mundanas, como quem lê habitualmente o que vou aqui escrevendo está farto de saber. E esta história é inteiramente mundana; uma história semiautobiográfica sobre um homem, professor reformado, que deambula entre Portimão, Lisboa e Cabo Verde, encontrando-se e desencontrando-se com várias mulheres (sobretudo) e culturas. Resolvidas as fragilidades listadas acima, e talvez encontrado um eixo mais sólido em torno do qual desenvolver a história, podia ser um panorama interessante dos contrastes e semelhanças entre as vivências caboverdiana e portuguesa, ou uma reflexão sobre uma série de coisas que o texto aflora mas nunca aprofunda, da relação e/ou contraste entre sexo, afeto e amor à mortalidade. Mas dificilmente seria coisa que me enchesse as medidas: o meu gosto simplesmente não combina com este tipo de história.
Este livro foi comprado.
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