Recentemente descobri um auxiliar de escrita altamente improvável: o TORCS. Trata-se de um jogo open-source já com uns aninhos valentes em cima (o lançamento inicial data de 1997 e a última versão estável de 2016) que, como o nome de The Open Racing Car Simulator indica, simula corridas de automóveis. Tem sido muito usado ao longo dos anos como simulação propriamente dita, isto é, como plataforma para engenheiros de software brincarem com a construção de robôs de condução automática, mas os recentes desenvolvimentos dos algoritmos de machine learning parecem tê-lo posto um pouco de lado. Programação de robôs à parte, dá perfeitamente para ser jogado como eu o tenho jogado: conduzindo um carrito de uma série de carros à escolha, controlado de várias formas possíveis (no meu caso: teclado), por uma série de pistas à escolha, contra uma série de carros à escolha conduzidos por um ou vários robôs à escolha. Os robôs disponíveis são 10 e cada um controla 10 carros, o que dá um total de 100 oponentes possíveis (e eu já os expandi para 200 cá com uns truques). É grátis, claro, como qualquer programa open-source. Está disponível aqui.
Já o jogo há montes de anos, com umas intermitências pelo meio. Com o tempo fui desenvolvendo truques para que a maioria das corridas que faço sejam competitivas e por isso interessantes e, embora haja modos de jogo bastante demorados (corridas de grande prémio, que duram mais de uma hora e até há corridas de resistência mais longas do que isso), eu uso principalmente, desde sempre, um modo que dá para fazer corridas rápidas, de 10 minutos, por vezes até menos, até cerca de 20 minutos e picos quando corro com os carros mais lentos. Recentemente tenho-o jogado bastante. E não só porque o covid me deixou com pouco trabalho a fazer, embora também por isso.
É que descobri que fazer uma ou duas corridas com o TORCS me ajuda a resolver problemas com a escrita.
Não com a escrita em si, obviamente. Não com o encadeamento de letras e palavras e frases e parágrafos. Mas com a estrutura. Com problemas e bloqueios de enredo, com decisões sobre o que a personagem tal faria na situação xis. Com o planeamento de o quê e como escrever a seguir.
Sabem como é quando vão no carro atentos ao trânsito mas a pensar ao mesmo tempo em outras coisas? O jogo permite fazer algo de muito semelhante, e com a vantagem dos erros não terem consequências mais graves do que perder uma corrida. E mesmo quando estas são particularmente competitivas, exigindo por isso um grau de atenção mais elevado, há sempre um cantinho ao fundo da mente que vai continuando a remoer o problema. Aquilo de que me dei conta foi que deixar esse cantinho em paz, a fazer o seu trabalho sem interferências, sem tentar dirigi-lo, é particularmente eficaz. Às vezes chega mesmo a ser mais eficaz do que ir ler o que ficou para trás, o truque que uso desde sempre para "reentrar na atmosfera" do que estou a escrever.
Também é daí que vem a minha produtividade recente. Não direi que ficar a olhar a página vazia à espera de uma ideia que comece a enchê-la, essa experiência por que passa qualquer pessoa que escreva com maior ou menor regularidade, é coisa do passado, mas o que descobri é que largar a página vazia, chamar o TORCS e correr uma corrida tem muito frequentemente o resultado de tornar fácil encher a página assim que a corrida termina. Ou pelo menos possível, que isto da criatividade nunca é realmente fácil.
Não sei se ainda há por aí muita gente a jogar TORCS. O jogo é velho e está desatualizado numa série de coisas (o que a bem dizer até é uma vantagem porque não exige um computador todo xpto para ser jogado como deve ser). Mas desconfio que mesmo que haja sou o único a usar o jogo para isto.
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