Há certos livros (e contos também) em que a idade do autor é bastante evidente. Por vezes, quando a idade é tenra, isso revela-se com grande clareza na inexperiência que transparece da ficção. Na imaturidade, tanto literária quanto humana. De outras vezes, quando a idade é mais avançada, ela surge com clareza no tipo de texto e de autor formador da personalidade literária que se pode encontrar nessas obras. Este Histórias de Espantar (bibliografia) é um desses livros, e nem seriam precisos os elementos biográficos sobre o autor para os leitores compreenderem que António Bettencourt Viana já o publicou com uma idade avançada.
Viana é asimoviano até à medula. O estilo, seco, completamente vazio de adornos, é praticamente decalcado das ficções objetivas de Asimov, e a abordagem à FC, centrada quase exclusivamente nos detalhes científicos das histórias, limitando o desenvolvimento de aspetos literários mais exteriores a esses detalhes científicos àquilo que com eles se interseta de forma mais clara também é muitíssimo asimoviana. Mesmo trazendo sucedâneos até aos nossos dias, como de resto acontece quase sempre, este é um tipo de FC anterior à New Wave, um movimento originado nos anos 60 e 70 do século passado.
Nada disto implica que os contos sejam maus, claro. A literatura pode ser algo anacrónica mas manter a qualidade e, de resto, sem informação sobre há quanto tempo estas histórias foram escritas (sabemos quando foram publicadas em livro mas não quando foram escritas) é difícil aferir com algum grau de segurança quão anacrónicas poderão ser.
No entanto, e pondo de parte o conto do Eça que cá está incluído, pois este é autor totalmente de outro campeonato, a verdade é que a generalidade destas histórias mostra demasiadas fragilidades, não só no estilo mas também na própria elaboração dos enredos. Além da prosa pouco entusiasmante que é de esperar de qualquer autor que siga o exemplo de Asimov, há aqui falhas científicas, há clichés estilísticos, alguns deles muito a evitar, há algumas gralhas, há um didaticismo que demasiadas vezes prejudica o fluir da leitura, enfim, há carências suficientes para fazerem com que vários destes contos sejam maus. Maus como contos e também maus como contos de FC.
Por outro lado, também há aqui motivos de interesse. Uma boa história, Dois Sóis Para um Planeta Azul, será insuficiente para justificar a leitura do livro, mas A Independência da Lua também tem interesse e há um par de outras histórias que, pesem embora as falhas, são igualmente interessantes.
Depois há a questão do didaticismo. Viana afirma claramente que escreveu estas suas histórias como auxiliares de ensino. Não terá sido apenas para isso, decerto, mas nota-se que isso teve uma influência bastante grande no modo como as criou. Não sou a pessoa mais adequada para avaliar se essa parte do projeto é bem sucedida ou não — outros leitores mais ligados à docência terão mais condições para o fazer — mas à partida parece-me que até pode ser desde que a leitura seja acompanhada. Se não o for tenho algumas dúvidas. É que suspeito que a primeira condição para se ensinar alguma coisa através de uma história é torná-la interessante, e o didaticismo de Viana tende a intrometer-se demasiado nesse aspeto em demasiados destes contos. Não em todos, no entanto; alguns são mais equilibrados.
Em suma: este é um livro interessante por conter histórias de um tipo de FC muito pouco praticado entre nós e pelas duas ou três histórias entre o razoável e o bom que contém. Talvez também seja um livro interessante pela perspetiva didática que levou à sua criação. Mas não creio que seja um bom livro: inclui demasiados contos fracos.
Eis o que achei de cada um dos contos deste livro:
Este livro foi comprado.
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