sábado, 15 de agosto de 2020

A. P. Tchekhov: O Sapateiro e a Força Maligna

Às vezes parece haver todo um subgénero da literatura fantástica, em sentido lato pois, embora o seu fulcro esteja no terror, estende pseudópodes por outros géneros, incluindo até a ficção científica, que se dedica a explorar o tema do pacto faustiano com o diabo. É precisamente essa a "força maligna" deste O Sapateiro e a Força Maligna (bibliografia), conto de A. P. Tchékhov cujo principal tema é a inutilidade da inveja.

O protagonista, o sapateiro do título, é um invejoso das riquezas dos nobres e burgueses para os quais trabalha e que o destratam de uma forma que ele considera injusta. Por isso, faz um pacto com o diabo, vendendo a alma em troca da ascensão ao mesmo nível social deles. Mas a coisa corre mal, pois ao fazê-lo perde a possibilidade de se entregar aos prazeres da gente simples sem se ver alvo de desprezo e chacota. E a preocupação com a possibilidade de lhe roubarem as riquezas deixa-o louco.

Trata-se de um conto cheio de política e mostra um Tchékhov conservador, defensor da ideia de que cada macaco está realmente bem é no seu galho, sem misturas, o que não condiz lá muito bem com a ideia que eu fazia dele. E nem é questão da idade avançada ter acentuado tendências conservadoras prévias, como por vezes acontece. O conto foi publicado em 1888; nesse ano ele completou 28 anos. Provavelmente era a ideia que eu tinha dele que estava errada. Ou então trata-se de uma personalidade contraditória, como há tantas. Talvez as botas que dá ao sapateiro sejam as que usa nos pés, e o conto seja uma espécie de recado a si mesmo. Não sei. Seja como for, nada disso tem grande relevância para a sua qualidade enquanto escritor. E essa é boa: o conto está francamente bem construído e é uma variante razoavelmente original da velha história faustiana.

Textos anteriores deste livro:

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