sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Irmãos Grimm: A Margarida Esperta

No mundo dos contos populares, há dois géneros bem distintos. Um, o mais conhecido, é o dos contos carregados de magia, de animais que falam, de reis e princesas e bruxas e feitiços. O outro, menos conhecido mas talvez não menos abundante, é o dos casos mais ou menos burlescos acontecidos com personagens que poderiam ser vizinhas do contador da história. Este A Margarida Esperta, que os Irmãos Grimm não parecem ter alterado grandemente, pertence ao segundo grupo. Quase por completo.

A Margarida era uma cozinheira vaidosa que gostava de comer e de beber, não necessariamente por essa ordem, além de também gostar de se empinocar. A história conta como um belo dia em que o patrão esperava um convidado para jantar a boa da Margarida enfiou goela abaixo o jantar inteiro (o único elemento que se pode considerar prodigioso em todo o conto), acompanhado por fartura de vinho, porque o convidado se atrasou e a comida "não se podia desperdiçar". Mas eis que o homem aparece e o jantar está aconchegadinho na barriga da Margarida. Ops! Que fazer?

Mentir, claro. Enganar um, enganar o outro e tirar o rabinho de perigo. Mais uma vez, um conto alemão mostra uma diferença significativa face aos contos portugueses equivalentes, pois nestes, embora exista por vezes um grau elevado de irreverência face aos poderosos, é raro ver-se uma tão clara compreensão com a fraude. Sem que o conto inclua propriamente uma história de maus-tratos ou exploração patronais, a Margarida Chica-Esperta exibe gula, preguiça e desonestidade e safa-se de qualquer espécie de censura e castigo. Não me lembro de ver nada de semelhante nos contos portugueses que li, e nos dos Grimm já não é a primeira vez que vejo. Fascinante.

Contos anteriores deste livro:

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