segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Franz Kafka: Josefina, a Cantora ou o Povo dos Ratos

E mais uma vez aqui desponta a fina ironia com que Franz Kafka insufla as suas histórias. Josefina, a Cantora ou o Povo dos Ratos é uma noveleta cujo conteúdo segue fielmente o guião estabelecido pelo título. Estamos entre ratos, e um desses ratos analisa, com a frieza clínica e cerebral que também encontramos noutros textos, o estranho comportamento de Josefina. Ou por outra, os estranhos comportamentos que se desenvolvem em torno de Josefina, tanto o desta quanto o dos restantes ratos para com ela.

É que Josefina é uma artista. Uma cantora, ainda que o narrador não consiga encontrar nenhuma diferença entre os assobios dela e os dos outros membros do povo dos ratos. E Kafka usa esta qualidade para se divertir um pouco à custa do vedetismo em particular, e da condição artística em geral, pois, como é costume acontecer nos seus contos mais ou menos fabulosos, não parece haver diferença realmente substantiva entre o povo dos ratos e o povo dos homens.

Kafka diverte-se não só a si mas também a quem lê porque Josefina, sempre a diva, é um retrato perfeito das Castafiores deste mundo (não sabem quem é a Castafiore? Uma palavra: Tintim). A dada altura julga-se, como é óbvio, injustiçada pela plebe ignara, que nunca lhe falha como público mas não lhe confere o respeito e consideração que ela julga merecer. E o que acontece a seguir não é bem o que ela esperava, naturalmente. Esta é uma bela forma de fechar esta coletânea; um conto carregadinho de ironia e, para lá da ironia, de suminho crítico ao mundo artístico e a algumas das suas personagens.

Contos anteriores deste livro:

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