Embora tenha outras obras bastante conhecidas, em especial O Processo e, em menor grau, O Castelo, é incontestável que Franz Kafka vai ficar na história da literatura sobretudo graças à novela que costuma levar o título português de A Metamorfose. Não há pessoa razoavelmente culta que não saiba que essa história é sobre alguém que de repente se vê transformado num bicho, ainda que a natureza concreta do bicho seja objeto de debate.
Mas Kafka não escreveu só essa história com protagonista animal. A prova está neste livro, adequadamente intitulado Bestiário de Kafka, uma antologia feita em Portugal, selecionada por Álvaro Gonçalves, o qual também traduz algumas das histórias. São nove textos ao todo, com extensões que vão do miniconto à novela, incluindo algumas ficções póstumas e textos incompletos.
Há alguns temas comuns, como é natural numa compilação temática como esta. Mas apesar disso, esta coletânea é bastante heterogénea. Inclui o clássico maior de Kafka, como não poderia deixar de incluir, aqui rebatizado como A Transformação, mas também inclui alguns textos que não me pareceram particularmente bem conseguidos... para alguém com os pergaminhos de Kafka, note-se; seriam quase sempre bons textos para muitos outros autores.
No entanto, este livro, ou a escrita de Kafka em geral, não é para todos os leitores. Há nele um detalhismo, uma tendência para tecer labirintos de palavras que não têm necessariamente saída, que pode não agradar a leitores mais imediatistas. Em vários destes textos há uma ironia e um humor que se escondem sob uma superfície bastante árida que também pode ser difícil de penetrar para alguns leitores. Noutros, são os temas subjacentes que mais interesse me parecem ter, mas também aqui o subjetivismo tem a sua importância: temas que me interessam a mim podem não interessar a Fulano e vice-versa.
Para mim, há aqui três textos que se destacam dos demais. A Transformação, obviamente, e talvez nem valesse a pena fazer-lhe esta referência. A Toca, porque me tocou, com perdão do trocadilho. E Josefina, a Cantora, ou o Povo dos Ratos, pelo humor. São também, em companhia das Investigações de um Cão, três das quatro histórias mais longas, o que é curioso. Ou talvez não, pois o estilo de Kafka só se revela em pleno em histórias com alguma extensão.
De resto, esta é uma boa coletânea. E bem organizada, com as histórias distribuídas por forma a ficarem as melhores no princípio e no fim. Não sei bem é se concordo com todas as opções de tradução que aqui foram feitas, nem se a diluição de uma novela como A Metamorfose (ou A Transformação, pronto) num livro como este não poderá funcionar um pouco em seu detrimento, ao diluí-la num todo significativamente maior. Por outro lado, um bestiário de Kafka sem esse texto nunca seria um bestiário de Kafka, pelo que a sua inclusão seria sempre obrigatória.
Seja como for, foi uma boa leitura e no fim de contas isso é o que mais importa.
Eis o que achei de cada um dos textos deste livro:
Este livro foi comprado.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de abusadores. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.