quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Nuno Bragança: A Tia de Inglaterra

Não sei se foi por acaso ou de propósito, mas se há coisa que abunda nesta antologia são textos escritos na primeira pessoa nos quais as marcas de oralidade estão bem vincadas, como se cada um desses textos fosse apenas uma transcrição de uma ou de várias falas de uma certa personagem. Não creio que seja questão de momento literário, pois o livro data de 1997 e inclui textos publicados originalmente nas duas décadas anteriores, o que é um período razoavelmente extenso (e, segundo me parece, demasiado amplo para que a explicação seja essa). Mas é um facto curioso de que me dei conta agora.

A Tia de Inglaterra, conto de Nuno Bragança, é, claro, mais um desses textos. Trata-se de um conto (ao contrário de outros textos deste livro, excertos de romances), quase todo escrito dessa forma, isto é, como uma espécie de confissão do protagonista, em primeira pessoa e em discurso direto, durante a qual ele narra o seu despertar sexual, em adolescente, escandalosamente levado a cabo com uma tia, também razoavelmente jovem mas já bem adulta, que viera de Inglaterra visitar a família. Pedofilia, perguntam? Pedofilia, sim. No entanto, como de resto é comum encontrar-se em muita literatura, e especialmente naquela que procura subversivamente o choque com as convenções sociais — embora neste caso o choque não seja grande — não há a mínima censura implícita. Há um tipo, personagem e protagonista, a contar como se estreou nessas coisas do sexo e do amor, de tal forma que quase se consegue ver o brilhozinho nos olhos apesar de fingir que a história se passara com outro, e no fim há a reação de quem ouve a história, entre o espanto e a admiração.

Mas é bom, o conto? É, independentemente do que se possa pensar sobre a história que narra. Está bastante bem concebido, o discurso direto é totalmente credível enquanto tal, o que implica que também está muito bem escrito, e por aí fora. Trata-se de boa literatura, mesmo que este tipo de história tenda a deixar-me frio.

Textos anteriores deste livro:

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