Vê-se um título como Investigações de um Cão, especialmente se o virmos escrito por um autor como Franz Kafka, e fica-se imediatamente curioso com a abordagem e a história a que tal título levarão. Depois, começa-se a ler o texto propriamente dito e rapidamente a curiosidade dá lugar à confusão. É que há aqui coisas que não parecem bater certo, mesmo no contexto de uma história kafkiana.
O texto é um longo fluxo de consciência de um cão com queda para a filosofia e para as ideias abstratas. Talvez demasiado abstratas, pois não parece dar-se conta de que no seu mundo, que aparentemente é o nosso, existem uns símios grandes e ruidosos chamados seres humanos, e por isso se dedica a investigar mistérios transcendentes como por que motivo a comida parece ao mesmo tempo brotar do chão e cair do céu. Vinda aparentemente do nada.
Esta ausência humana causa alguma confusão até que se percebe que sim, os cães desta história estão mesmo inconscientes da nossa existência, o que é algo que está absolutamente à revelia da verdadeira natureza dos cães, basicamente lobos que aprenderam a descodificar as pistas sociais que nós fornecemos. Mas a fonte principal de confusão foi, parece-me, outra. Foi tentar decidir se esta história é uma sátira, um texto de humor, um divertimento, ou foi escrita para ser levada a sério.
Alinho mais pela primeira hipótese, mas sem desprezar a segunda. Ao colocar o seu cão filósofo a escrever, e com um ponto cego tão fulcral como o que apresenta, Kafka, parece-me, está acima de tudo a fazer uma longa troça com um certo tipo de intelectual (humano, não propriamente canino) que, na sua sisudez, na sua auto-importância, deixa passar coisas básicas que qualquer pessoa compreende. Está a gozar com torres de cristal. Está, talvez, a divertir-se à custa das filosofias vãs de tanta gente. Mas ao mesmo tempo está a fazer um comentário bastante sério sobre as nossas limitações e a relação que estabelecemos com elas (ou não), aceitando-as e tomando-as em conta (ou ignorando-as, fingindo que não existem).
E é boa, a história? É, mas não é para toda a gente. Quem goste de fluxos de consciência, de textos introspetivos, filosóficos, ou de humor ou ironia subtil, encontrará aqui um acepipe. Quem prefira ação é melhor que passe adiante, porque se há coisa que aqui praticamente não existe é ação. Eu estou algures no meio: prefiro a ação à introspeção, mas também me pelo por um bom texto irónico. E este está bastante bem escrito, portanto até gostei. Não é dos melhores textos de Kafka, mas é interessante.
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