segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Irmãos Grimm: Os Seis Criados

E de novo, aqui temos uma princesa casadoira cuja mãe (desta vez é a mãe) exige que os pretendentes realizem uma façanha qualquer, tendo a morte como recompensa pelo falhanço. Esta crueldadezinha casual dos governantes é o pão-nosso de cada dia nestas histórias, pelos vistos, ainda que desta vez até haja justificação para ela: a mulher é feiticeira. Das más.

Até que chega, como sempre chega, um herói particularmente desembaraçado que resolve a situação. No caso desta história que os Irmãos Grimm parecem nem ter alterado por aí além, apesar de ser bastante extensa, o desembaraçado é príncipe e o desembaraço é conseguir encontrar e contratar criados prodigiosamente habilidosos. Criados com superpoderes, digamos. Os Seis Criados são seis (duh!), e um seria capaz de engolir o mundo (e expande), outro de ouvir o mundo, outro é tão alto que se ergue acima de qualquer montanha do mundo (e estica), outro despedaça tudo com o olhar, outro tem o termostato avariado e sente calor quando faz frio e vice-versa e o último é capaz de ver tudo o que há no mundo.

Ou seja, são os avozinhos dos X-Men.

E o príncipe tem tanta sorte ou perspicácia que todas estas extraordinárias habilidades dos criados lhe vão ser úteis para cumprir as tarefas da feiticeira. E, depois da descrição dos criados, dos seus poderes, das tarefas e da forma como estas são ultrapassadas, vivem todos felizes para sempre, como é da praxe.

É um conto interessante, em especial pela ascendência direta que nele encontro para as modernas histórias de super-heróis. Ao contrário destas, contudo, não existe aqui nenhuma película mais ou menos ciencioficcional (o Luís Filipe Silva chamar-lhe-ia tecnofantástica) a revestir a fantasia de base, o que também tem o seu interesse próprio: mostra como as mesmas histórias feitas para mundos diferentes assumem características também diferentes. O que devia fazer pensar quem põe num pedestal as literaturas (e outras formas narrativas) do passado e despreza as contemporâneas. Se calhar, um dos motivos para aquelas terem perdido popularidade é não se adaptarem bem ao mundo contemporâneo. Só se calhar.

Contos anteriores deste livro:

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