Muito curto, sem chegar sequer a duas páginas, este continho de Franz Kafka tem pouco interesse, apesar de estar tão bem escrito como seria de esperar do autor. Trata-se de uma breve descrição de uma quimera, Um Cruzamento (sim, eis o título) francamente estranho entre um gato e um cordeiro, que é animal de estimação do narrador. Este, em primeira pessoa, descreve o bicharoco e as suas características, muitas vezes paradoxais.
É possível fazer uma interpretação simbólica e política desta pequena história. É possível olhar para ela e ver no infeliz animal, carente do carinho da única criatura que lho dá, o dono/narrador, sem iguais e ignorado ou escorraçado por todos os que não o são, um símbolo do homem miscigenado. É possível ver nessa infelicidade uma crítica à impureza racial — uma crítica compreensiva, talvez, porque afinal quem narra a história é quem dá carinho ao animal, mas uma crítica. Tal interpretação está certamente de acordo com várias ideologias dominantes na Europa na época de Kafka... mas creio que não bate certo com a ideologia do próprio Kafka, que era um socialista no sentido original do termo.
Pelo que eu prefiro pensar nesta historinha apenas como um texto bem escrito sobre uma quimera inadaptada ao mundo, que no entanto conseguiu encontrar o seu refúgio. Há quem se sinta assim a vida inteira. E há quem nunca encontre esse refúgio.
Quimera de sorte, esta.
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