Ray Bradbury tem muitos contos fronteiriços, que partem de um género literário para chegar a outro, ou que ficam firmemente ali na fronteira, reunindo elementos de dois géneros, ou mais, num todo que a maior parte das vezes é inteiramente coerente. São por isso mesmo contos difíceis de enfiar nas caixinhas em que geralmente se metem as obras literárias para mais facilmente serem analisadas e compreendidas. A Caixinha de Surpresa é um desses contos.
Parece uma história de fantasia, daquelas firmemente radicadas nos contos populares. Abre com um miúdo, Edwin, que mora numa (estranha) casa rodeada pela floresta, e é esse e apenas esse o seu mundo. O miúdo tem um brinquedo, uma caixa daquelas que se abrem e delas salta um boneco, mas a associação da caixa-brinquedo à caixa-casa e do boneco ao miúdo é imediata. Bradbury diz-nos desde o início que o miúdo é como que prisioneiro daquela casa, o que já começa a introduzir um elemento de horror. E depressa percebemos que na casa vivem também a mãe e uma professora, as quais o preparam para ocupar o lugar do pai desaparecido, alegadamente morto pelos horrores do mundo exterior.
O lugar de deus criador do mundo interior. O qual está cheio de elevadores e escadarias e salas e quartos proibidos que lhe vão sendo revelados à medida que vai crescendo, como uma espécie de ritos de passagem.
Sim, a história é complexa. A professora talvez não seja propriamente uma professora (ou então talvez seja a mãe que não é exatamente uma mãe), a associação do brinquedo à realidade talvez seja algo mais que apenas alegórica, e por aí fora. Mas mesmo que o não seja a alegoria não deixa de estar presente porque todo o conto é alegórico. É uma história sobre o crescimento. E talvez seja uma boa história sobre o crescimento.
Mas não gostei de a ler. O problema, julgo, é a tradução, que me incomoda desde o início do livro e nesta história incomodou o suficiente para ter tornado a leitura penosa. Já não é a primeira vez que isso acontece, mas aqui foi especialmente evidente, em parte por a história ser razoavelmente longa. É pena.
Contos anteriores deste livro:
Estou a ficar convencida e vou mesmo ler esta colectânea. Mas no original.
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