Nunca gostei muito de contos filosóficos, entendendo-se pelo termo não contos com filosofia, evidentemente, pois quase qualquer conto com algum conteúdo tem também alguma espécie de filosofia subjacente, mas contos filosóficos propriamente ditos, baseados ou inspirados nos diálogos dos filósofos gregos. E nunca gostei muito deles porque sempre os achei demasiado artificiais, com a personagem-filósofo a explanar a sua filosofia auxiliada pela infinitamente ignorante e infinitamente curiosa personagem-coadjuvante, cuja única função é ir dizendo coisas, por vezes bastante tolas, para fazer avançar o discurso do protagonista.
E sim, Facelist (bibliografia), de Paulo Kellerman, é precisamente uma dessas histórias. Um diálogo praticamente socrático, entre o protagonista e o seu psiquiatra, no qual este faz o papel de coadjuvante e aquele é o filósofo, cheio de ideias imaginativas sobre como as coisas podiam ser ou talvez venham a ser um dia. Não é uma história fantástica propriamente dita, nem uma história de ficção científica, mas as ideias do protagonista são frequentemente ideias de ficção científica, o que de resto é referido várias vezes no texto. Poder-se-á dizer que é uma espécie de ficção científica que nunca chega a ser concretizada.
E tudo parte da ideia bizarra de escrever na cara uma lista de compras. A facelist do título, precisamente. O que acontece quando o faz é o que o protagonista começa por contar ao psiquiatra, bem como os motivos por que o fez, o que procurava conseguir com isso. Sorrisos. Mas em vez de sorrisos depara-se com a mais completa indiferença. Claro que a ideia é falar disso, de uma sociedade tão metida consigo (ou será apenas tão tolerante?) que já nem liga às pequenas excentricidades quotidianas, e Kellerman fá-lo misturando algumas ideias curiosas ou engraçadas com outras que não são nem uma coisa nem a outra. Em diálogo puro.
E eu não gostei muito, pelos motivos expressos acima. Para mim, seria bastante mais interessante "assistir" a todo o processo, a escrita da lista de compras na cara, o passeio pela cidade, o divertimento ou perplexidade ou talvez divertimento perplexo com as reações ou ausência delas, as divagações interiores que esse feedback geraria, do que estar a "ouvir" a conversa entre o homem e o seu psiquiatra. É certo que o conto seria bastante mais longo assim. Mas em princípio agradar-me-ia bastante mais.
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