terça-feira, 8 de dezembro de 2020

David Soares: Cerberite

E ao terceiro conto lusófono, eis que se encontra um que de facto corresponde àquilo que se vem esperando desta antologia desde a parte traduzida, ainda que continue a ser mais palavroso que a maioria. Com efeito, David Soares consegue, com a sua Cerberite (bibliografia), alcançar aquele fugidio equilíbrio entre a ironia e o texto clínico, e o resultado, em parte por isso mas não só, é bastante bom.

Claro que, sendo Soares quem é, também existe nesta história uma componente de horror. A doença descrita é uma peculiar parasitose, na qual o parasita se substitui à língua da vítima, o que torna impossível desalojá-lo. A língua-parasita é perfeitamente funcional... ou seria se não tendesse a emitir vocalizações próprias, frequentemente embaraçosas para os afligidos. Latidos, por exemplo.

Além disso, não sendo este conto propriamente uma história-mesmo-história, que quem tiver vindo a ler estas minhas opiniões sabe serem os que em geral mais me agradam, também não é propriamente um pseudofactual puro. É assim uma espécie de pseudofactual com histórias dentro, e também isso está bem feito. Talvez incaracteristicamente, aqui Soares diverte-se e diverte, e o resultado é o melhor conto desta abertura da parte lusófona da antologia e estou certo que quando chegar ao fim será um dos melhores do todo, ombreando com as boas ficções que constam da parte traduzida.

Textos anteriores deste livro:

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