sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Michaela Davide: Felix Influenza

A literatura portuguesa está pejada de textos em que se procura catacterizar, de forma mais ou menos irónica, a "natureza do povo português" e este conto de Michaela Davide é mais um.

E o seu problema é (além de algumas fragilidades de português, talvez falhas de revisão, como a repetição de "a partir do momento" em duas linhas seguidas ou algumas vírgulas fora de sítio) precisamente esse: ser mais um. E ser apenas mais um. Davide está a um universo inteiro de distância de ser Eça, e Eça fê-lo primeiro e fê-lo muitíssimo melhor.

Não tenho paciência para histórias destas, confesso. Não vislumbro nelas a graça que quem as faz obviamente julga existir. Só consigo ver a banalidade dos desabafos de esplanada. "Isto só neste país", "isto só este povinho", constituem fraco, fraquíssimo, motor para histórias interessantes, até porque já houve quem as fizesse, e muito em especial porque reforçam e se apoiam em alguns dos estereótipos mais daninhos e mais falsos sobre uma fantasmagórica "maneira de ser" tuga. Que Eça o tenha feito, passa, porque Eça era um escritor do caraças. Mas os escritores do caraças não nascem por aí como trevos, e uma maioria, tão esmagadora que se aproxima da totalidade, dos que tentam imitá-lo não têm nem perto da qualidade que ele tinha.

Objetivamente, este conto não é péssimo. Nem sequer é mau. Tem uma ideia que até podia ter pernas para andar se a autora não se tivesse metido a Eça (não era nem um pouco necessário): uma espécie de gripe da felicidade, origem do título de Felix Influenza (bibliografia), que deixa os infetados irrazoavelmente sorridentes. Mas não está particularmente bem estruturado, tem as fragilidades mencionadas acima e está tão cheio de chavões que também não é bom. É, objetivamente, mediano.

E eu, subjetivamente, fiquei perto de o detestar.

Textos anteriores deste livro:

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