sábado, 19 de dezembro de 2020

Dino Buzzati: O Bicho-Papão

Engana-se quem ler o título de O Bicho-Papão (bibliografia) e supuser tratar-se de uma história infantil. Na verdade este conto de Dino Buzzati está muito longe de o ser; é, isso sim, um conto sobre o conflito entre a fantasia e a realidade e também sobre política. Não tanto sobre a política propriamente dita, isto é, o combate de ideias sobre a organização social (embora isso também lá esteja), mas sobre o processo da política.

A história é sobre um engenheiro, daqueles que ocupam cargos de topo em empresas e organismos públicos, o qual um belo dia se enfureceu com a ama do filho por esta tentar acalmá-lo ameaçando-o com o aparecimento do bicho-papão. Não é a ameaça que o enfurece, note-se, mas o recurso à tolice do bicho-papão, que como toda a gente sabe não existe, é só superstição.

E claro que o bicho-papão começa a aparecer-lhe a ele, o engenheiro cético. E isso, depois de descobrir que a existência do bicho-papão era afinal de conhecimento comum na cidade, o leva a manobrar politicamente no sentido de arranjar forma de o destruir.

E consegue, o que serve para Buzzati fazer no fim uma espécie de lição de moral, quase à maneira das fábulas. Como outros fantasistas, este autor italiano parece encontrar uma oposição irreconciliável entre a fantasia, a imaginação, e o mundo moderno da técnica e da ciência (e para ele a política parece ser uma extensão deste mundo, e basta olharmos em volta para vermos como esta noção é ridícula), e este conto é claramente reflexo dessa ideia. É um bom conto, e só não é muito bom porque a liçãozinha de moral era bastante escusada (as opiniões subjacentes ficariam claras mesmo sem ela), mas a ideia é absolutamente errada. Não há incompatibilidade nenhuma, desde que cada coisa permaneça no campo que lhe compete.

Textos anteriores deste livro:

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