Não sei se ainda há quem afirme a pés juntos que a ficção científica é alheia à política, pois já não tenho nem paciência nem tempo para certas discussões, mas sei que essa é ideia que foi sendo defendida por várias pessoas em conversas comigo ao longo dos anos. Crasso disparate, claro. Basta apontar para as distopias para refutar tal hipótese e mesmo fora desse subgénero da FC existe uma vasta variedade de ficção científica muito claramente política, já para não falar daquela que também o é embora de forma menos óbvia.
Já sabem o que aí vem, não sabem? É mesmo isso: esta novela de Poul Anderson pertence ao grupo das obras de ficção científica muito claramente políticas.
O título, A Execução Fatal (bibliografia), é algo ridículo, embora isso não seja culpa de Anderson, o qual intitulou esta sua obra como The Fatal Fulfillment. Compreendendo a dificuldade que a palavra fulfillment coloca ao tradutor, pois não existe em português nenhuma palavra que abranja todo o espectro de significados da palavra inglesa, cuja ambiguidade é aqui muito propositada, ainda assim devo dizer que eu nunca optaria por execução, quanto mais não fosse pela presença do fatal logo a seguir. Que execução não o é? Só a execução falhada.
E ainda por cima não existe aqui execução alguma. O protagonista da novela, no princípio, morre mesmo (ou pelo menos é o que parece) mas a morte parece ser voluntária, ainda que mais rápida do que ele estava à espera. Uma espécie qualquer de eutanásia, talvez, ou de suicídio assistido. Não fica claro... quer dizer, não fica claro até se chegar ao desfecho, onde tudo se reconfigura embora nem tudo se esclareça.
Até lá, acontecem várias mortes, mas todas provisórias. E após cada uma, o protagonista desperta numa realidade diferente. Não sendo a única ideia base desta história, a comparação entre as várias sociedades parece ter sido pelo menos um dos principais impulsos de Anderson para a escrever. Porque é isso o que acontece.
A perspetiva é fortemente de direita. As sociedades retratadas são caricaturas distópicas de várias ideias de esquerda e genericamente idealistas, que Anderson retrata como inerentemente estúpidas, incapazes de satisfazer o Indivíduo (assim mesmo, em maiúscula, nunca explícita mas muito implícita) ou prontas para serem destruídas por um grupo armado ou parasitadas por um oportunista sem escrúpulos. No fim, conclui o que era óbvio que iria concluir, a conclusão típica de todos os conservadores: que o mundo real é o melhor mundo possível.
E no entanto, esta é uma novela razoavelmente boa. Para lá das caricaturas um bom bocado patetas, ultrapassando-se anacronismos risíveis, como computadores capazes de criar ambientes virtuais sofisticados funcionarem com cartões perfurados, há aqui FC interessante, há um ritmo e um controlo da narrativa agradáveis e há um final que, por mais esperado que seja, não deixa de ser eficaz. Ideologicamente, esta ficção é muito palerma, uma completa americanice no pior sentido do termo. Mas é boa FC.
Contos anteriores desta publicação:
Já sabem o que aí vem, não sabem? É mesmo isso: esta novela de Poul Anderson pertence ao grupo das obras de ficção científica muito claramente políticas.
O título, A Execução Fatal (bibliografia), é algo ridículo, embora isso não seja culpa de Anderson, o qual intitulou esta sua obra como The Fatal Fulfillment. Compreendendo a dificuldade que a palavra fulfillment coloca ao tradutor, pois não existe em português nenhuma palavra que abranja todo o espectro de significados da palavra inglesa, cuja ambiguidade é aqui muito propositada, ainda assim devo dizer que eu nunca optaria por execução, quanto mais não fosse pela presença do fatal logo a seguir. Que execução não o é? Só a execução falhada.
E ainda por cima não existe aqui execução alguma. O protagonista da novela, no princípio, morre mesmo (ou pelo menos é o que parece) mas a morte parece ser voluntária, ainda que mais rápida do que ele estava à espera. Uma espécie qualquer de eutanásia, talvez, ou de suicídio assistido. Não fica claro... quer dizer, não fica claro até se chegar ao desfecho, onde tudo se reconfigura embora nem tudo se esclareça.
Até lá, acontecem várias mortes, mas todas provisórias. E após cada uma, o protagonista desperta numa realidade diferente. Não sendo a única ideia base desta história, a comparação entre as várias sociedades parece ter sido pelo menos um dos principais impulsos de Anderson para a escrever. Porque é isso o que acontece.
A perspetiva é fortemente de direita. As sociedades retratadas são caricaturas distópicas de várias ideias de esquerda e genericamente idealistas, que Anderson retrata como inerentemente estúpidas, incapazes de satisfazer o Indivíduo (assim mesmo, em maiúscula, nunca explícita mas muito implícita) ou prontas para serem destruídas por um grupo armado ou parasitadas por um oportunista sem escrúpulos. No fim, conclui o que era óbvio que iria concluir, a conclusão típica de todos os conservadores: que o mundo real é o melhor mundo possível.
E no entanto, esta é uma novela razoavelmente boa. Para lá das caricaturas um bom bocado patetas, ultrapassando-se anacronismos risíveis, como computadores capazes de criar ambientes virtuais sofisticados funcionarem com cartões perfurados, há aqui FC interessante, há um ritmo e um controlo da narrativa agradáveis e há um final que, por mais esperado que seja, não deixa de ser eficaz. Ideologicamente, esta ficção é muito palerma, uma completa americanice no pior sentido do termo. Mas é boa FC.
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