quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Julio Cortazar: Carta a uma Senhorita em Paris

Uma das coisas que separam irremediavelmente quem gosta de literatura fantástica em sentido lato, isto é, aquilo a que eu gosto de chamar literaturas do imaginário (FC, fantasia, fantástico em sentido estrito, horror, maravilhoso e por aí fora), dos demais é que estes, quando confrontados com alguma alteração àquilo que entendem como o mundo "tal como ele é", tendem a empinar os narizinhos e pensar "disparate!", tantas vezes sem sequer tentarem perceber que objetivos pretendem os autores atingir com esses "disparates", ao passo que os primeiros se divertem, se sentem estimulados por qualquer coisa que os surpreenda.

(Um parêntesis para reconhecer que alguns fãs de FC mostram a mesma intolerância dos leitores de mainstream "realista" para com os "disparates", considerando que nada que não obedeça às possibilidades abertas pela ciência vale o seu tempo. Mas são uma minoria.)

Pois bem, este conto de Julio Cortazar está repleto de "disparates". E é uma delícia.

Trata-se, de facto, de uma Carta a uma Senhorita em Paris (bibliografia). Mais precisamente, trata-se de uma carta enviada a uma senhorita que anda de viagem por Paris pelo homem que se alojou provisoriamente e "por mútua conveniência" no seu apartamento de Buenos Aires. Nela, o inquilino explica à senhoria por que motivo a casa ficou arruinada. É que ele tem um problema, que no entanto estava controlado até ir morar para casa dela: vomita coelhinhos. Um de vez em quando, normalmente. Só que a mudança de ambiente parece tê-lo descontrolado e ele passou a vomitar muitos coelhinhos. E, como se sabe, os coelhos são roedores.

Tudo isto é descrito ao jeito sinuoso típico de uma carta, ainda que algo mais elaborada que uma carta comum. Uma carta repleta de pormenores deliciosos, muito divertidos, através dos quais a dimensão do problema vai sendo escalada até o leitor se aperceber de que está perante uma catástrofe. Muito bom. Mesmo.

Textos anteriores deste livro:

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