sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Ricardo Tinoco: Alomorfia Fulminante

É bastante bem que Ricardo Tinoco arranca com a parte lusófona desta antologia. Num texto erudito, bem escrito, francamente literário, no qual descreve a sua Alomorfia Fulminante (bibliografia), que nada mais é do que a prosaica metamorfose, fica só a faltar a quase omnipresente ironia para equiparar este conto/doença às melhores prosas da parte importada.

Tinoco vai buscar à história da literatura vários casos de metamorfose, culminando com a célebre novela de Kafka, claro. De uma forma muito sisuda, analisa-os como descrições clínicas de uma doença, descrevendo sintomas e potenciais tratamentos e comparando-os uns com os outros. Tudo muito bem feito, e até um bom bocado académico. É quase uma brevíssima tese sobre este tipo de literatura. E isso é parte do motivo por que não desfrutei tanto da leitura como poderia ter desfrutado.

Sim, há aquela velha questão de eu preferir histórias mesmo histórias a este tipo de texto pseudofactual, por maior a qualidade que nele encontre. Mas também me parece que existe nestas ficções um finíssimo equilíbrio ideal entre o ar de artigo médico (neste caso; noutros poderá ser qualquer outra coisa) e uma ironia subjacente, subtil o suficiente para não estragar o ar de texto factual mas não tanto que se torne invisível, capaz de tornar a leitura mais aprazível. Não me parece que Tinoco o tenha compreendido, ou talvez que sequer concorde. O certo é que senti aqui sisudez a mais. Mas isto é um pormenor, e bastante subjetivo. Este conto é bom.

Textos anteriores deste livro:

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